sábado, 25 de março de 2023

Eu pensei que você também me amasse (O homem vestido com a capa da fama)

Foi numa noite de abril que ele apareceu pela primeira vez nos sonhos daquela garota descuidada com os sentimentos, ela acreditava em qualquer lorota que alguém viesse lhe dizer. Flora era assim, uma garota realmente descuidada em relação aos seus sentimentos. Sempre se apaixonava pelo primeiro calhorda que lhe oferecesse uma flor murcha de um jardim abandonado em um terreno esquecido pelo dono. Flora era pura ingenuidade em sua maneira de ver a vida e as pessoas a sua volta, confiava em todo mundo, não via maldade ou desprezo em ninguém por ela, talvez porque acreditava que todos eram bons e sensíveis, pessoas do bem, etc.

No entanto, ele apareceu, aquele homem desvalido e frágil, necessitando socorro. Apareceu lá, no mundo dos sonhos de Flora, numa noite quente de abril, não sei se poderia chamar de sonho ou de fato, pesadelo, mas era muito nítido, claro e compreensível como um filme colorido. Ele estava rodeado de inimigos querendo destruí-lo pelas dívidas que ele havia feito com eles e não conseguia pagá-las! Eles o chutavam caído no chão, davam-lhe socos e o xingavam. Ela então, se vendo em sonho diante daquela cena horrível, não perdeu tempo, aproximou-se dos homens mercenários, questionou-os o motivo de estarem espancando aquele pobre homem no chão e eles lhe disseram gritando e cheios de ódio:

_Ele nos deve, tem que pagar ou nós vamos acabar com ele!

Flora enfiou a mão no bolso e nele havia muito dinheiro, ela pagou todos aqueles mercenários para que deixassem livre o pobre homem caído por terra. Ela o socorreu. Os mercenários foram todos embora, deixando em paz o homem.

Isso foi em um sonho de Flora naquela noite de abril! E sonhos, são acontecimentos incompreendidos, que ninguém nunca consegue desvendar completamente. Aliás, os sonhos são carregados de muitos mistérios e de cenas inexplicáveis.

O dia amanheceu e Flora recordou de tudo que havia vivenciado em sonhos na noite anterior. Ficou a pensar durante o dia, em tudo que havia visto. Recordava-se claramente da face do homem que ela havia socorrido nos sonhos.

Dias depois, Flora descobriu aquele homem nas imagens da internet ao procurar fotos para montar um trabalho. Ao abrir as imagens, lá estava aquele rosto que vira nos sonhos, mas não parecia um pobre coitado! Ela se deu conta de que o tal homem existia de verdade, e isso a confundiu ainda mais. Ele realmente existia, e não parecia aquele homem maltratado dos sonhos, que fizera o coração de Flora se sentir cheio de piedade e amor! Mas era o tal coitado dos sonhos, estava vestido com a capa brilhante e impiedosa da fama. Ela descobriu seu nome e várias outras fotos dele, sempre rodeado de outras pessoas também vestidas com o brilho do destaque daquela falsa importância a que as pessoas costumam atribuir a seres que escolhem a vida pública. Ele era na verdade, um homem vestido com a capa poderosa da fama, e isso fazia dele, um ser arrogante e narcisista, que escolhia viver somente entre pessoas também encapadas com as vestes da fama.

Porém, Flora não conseguiu ver o real monstro desumano que aquele homem era de verdade, ela só enxergou nele, aquele homem sofrido e necessitado de ajuda que lhe aparecera em seus sonhos naquela noite de abril. Oh, pobre mulher ingênua! Que acreditava que o amor não escolhia vestes! Mas o homem dos sonhos de Flora, sim, ele escolhia vestes e presenças, não era qualquer pessoa que poderia ser honrada de chegar perto dele, porque ele se achava um príncipe. Ele era aquele homem que também se enganava, porque acreditava que não fosse um homem comum, mas um príncipe, embora, a verdade fosse bem diferente, sem a capa da fama, ele realmente era apenas um simples homem como todos os outros homens desnudos de riqueza e poder.

Daquele dia da descoberta da identidade daquele ser vestido com a capa da fama que havia visto em seus sonhos, os pensamentos de Flora não tiveram mais paz, todos os dias e todas as noites pensava nele, apenas nele, vivia por ele, respirava por ele, e mais por ninguém. Parecia estar enfeitiçada por um feitiço realizado pelas bruxas malvadas de Avalon. Era assim que Flora se sentia, terrivelmente enfeitiçada por aquele homem com aparência de anjo e atitudes de um demônio. Ele era mesmo muito mal, desprezava as tentativas de Flora de conversar com ele, de se aproximar dele. A capa da fama que o homem vestia não deixava ninguém chegar perto dele se não tivesse algo grande para lhe oferecer em troca de sua atenção. O homem vestido de fama era orgulhoso demais, para receber em sua vida uma pobre mulher.

O tempo passava com todas as suas loucas estações, e nada de Flora conseguir se aproximar daquele homem. Mesmo se esforçando ao máximo, não conseguia se aproximar dele para provar a ele que o amava. Era esse pensamento que lhe passava pela cabeça, o de que tinha que provar ao tal insensível, que o amava.

Enquanto Flora sofria tentando se aproximar do homem vestido com a capa da fama, ele desdenhava o seu amor, escolhendo outras mulheres para a sua convivência e para provarem de seu amor.

Com o passar veloz dos anos, aquele homem se casou uma vez, depois outra vez, e a cada separação, Flora continuava esperando o dia que ele a percebesse e a amasse também, e assim, ela pudesse viver o seu conto de fadas com ele, casar-se com ele, e formar uma família, enfim, ser feliz ao lado daquele homem que ela acreditava ser o seu destino, o homem criado por Deus para ser o seu esposo. Olha que bobagem esse pensamento de Flora! Como era ingênua a pobre coitada! Passava pela sua cabecinha sonhadora que o tal homem da capa da fama iria gostar dela e também amá-la, assim como ela o amou desde que o viu naquele sonho que tivera nos anos já passados, ela realmente acreditava que o sonho era o sinal dos céus, mostrando a sua alma gêmea. Flora era uma mulher sem experiência nenhuma com os homens, era daquelas que acreditavam em príncipes e contos de fadas. Por isso, caiu no conto do sonho e iludira-se terrivelmente.

Flora perdera a conta de quantas mulheres haviam passado pelas mãos do homem da capa da fama, e ela sendo ignorada, sempre cada vez mais, ignorada, mesmo tentando se fazer notar por ele, construindo caminhos e pontes para o encontrar frente a frente.

Mas como tudo na vida precisa ter um fim, e toda criatura desperta para a verdade um dia, para Flora chegou esse dia também! Mais uma vez, aquele homem declarou o seu amor para outra mulher! E Flora, grandemente ferida e machucada, e sem forças para caminhar, arrastou-se por terra, tentando salvar o que ainda existia de vivo dentro dela, tentando não deixar apagar a vela de luz fraca que ainda estava acesa em seu coração. Afinal, o terceiro golpe que ela sofreu do homem com a capa da fama foi quase mortal, e ela teve que lutar para não desfalecer e deixar de existir completamente. Era necessário que ela salvasse o foco de luz que ainda permanecia aceso em seu coração. A vida não podia de forma alguma, acabar naquele instante para Flora, era preciso que ela buscasse suas últimas forças para salvar sua vida daquela terrível desilusão.

O homem com a capa da fama talvez não compreendesse que a fama é uma grande prostituta que se vende ao prazer, ela não dá nada a ninguém sem exigir o prazer e a alma do outro em troca. E quando o prazer acaba, ela desnuda a sua vítima, deixando-o no frio do abandono e o destruindo para sempre.

Somente o amor desinteressado e gratuito pode aquecer o frio existencial dos seres humanos. Tudo passa na vida e tudo é lição. Somente o amor desinteressado permanece na essência do homem que sobrevive às ilusões do mundo, se ele despertar a tempo de corrigir suas ações, e mudar a sua visão de felicidade.

Relacionamentos conquistados com a capa da fama não sobrevivem com as mudanças severas das estações, porque são sentimentos que nasceram do brilho de um glamour e da ilusão visual.

Quando alguém ama o outro em sua pobreza total, esse amor sustentará todas as bases da existência, alimentará a fome de sentimentos e cobrirá a nudez da alma, aquecendo-a nos dias frios e escassos de tudo.

O exemplo de Flora nos traz uma reflexão de que nem sempre os sonhos trazem coisas positivas para a nossa vida, o que se vê nos sonhos são metáforas e simbologias, necessitando de uma sabedoria de alma para interpretá-los e não se deixar enganar por eles. Interpretações vagas de sonhos podem acarretar em ilusões destruidoras e na desmotivação da mente na busca de coisas que valeriam a pena lutar por elas.

Ao se deixar levar pelo pobre homem desvalido sendo massacrado por mercenários em seu sonho, Flora deduziu que aquele homem era um bom homem, e após socorrer ele em seus sonhos, se apaixonou pela fragilidade dele, achou que ele era um sinal divino, mas era tudo uma metáfora, uma visão maligna para fazer com que ela transmitisse de sua boa energia para ele. E tão logo ela o descobrira na internet, a vampirização da energia dela começou a ser de fato real. O espírito daquele homem vestido com a capa da fama, com aparência de anjo e coração e mente de um demônio, passou a sugar a energia espiritual de Flora, deixando-a cada vez mais dependente da ilusão transmitida por ele e fragilizada. Falsos cenários e miragens constantes consumiam toda a energia de Flora, levando-a quase à morte. A vampirização da energia entre pessoas não acontece somente de forma presencial, há quem vampiriza a energia do outro também de forma espiritual. O vampirizador normalmente usa de artimanhas e enganos, para ter controle sobre a mente do outro e assim, sugar todas as suas energias, principalmente nos sonhos, onde tudo ocorre misteriosamente e sem o controle físico.

O cuidado com a interpretação dos sonhos e com o que os olhos veem é de extrema importância no livramento de males que podem acarretar na destruição das forças e dos objetivos de uma pessoa. Debaixo do sol, corre-se o risco de se envolver em enganos destrutivos.

Andar com os pés firmes, lutar sim, mas pelo que é tocável e que transmite de volta a luz que emanamos, que nos faz sentir que não estamos sozinhos no barco, que a pessoa a quem estamos dedicando nosso amor, também está remando junto, levando o barco para uma mesma direção.

Flora sobreviveu aos enganos que quase destruíram sua vida em relação ao homem vestido com a capa da fama. Quantas Floras existem por aí, se deixando enganar por homens vestidos de falsas capas, sejam elas, de fama, ou mesmo, capas falsas de bom moço? A felicidade não exige sacrifícios de vida e sangue, ela é o resultado de trocas de sentimentos saudáveis e verdadeiros.

Onde existe fama e poder, a realidade fica destorcida e obscura quanto aos sentimentos das pessoas.


Rozilda Euzebio Costa

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