sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Fefê, a rosa esquecida

 

_ Você já viu Fefê? - perguntou o grilo Miúdo ao vizinho também grilo, Bambolê.

__Quê? Não sei de quem se trata, nunca nem ouvi falar nessa tal Fefê! Quem é? Você pode me dizer? - o amigo Bambolê, curioso que era, quis logo saber.

Então, o grilo Miúdo, o único que prestava atenção à rosa Fefê, começou a contar para Bambolê a história daquela rosa que ninguém prestava atenção, e nem faziam questão de ver.

_ Dizem, amigo Bambolê, que aquela rosa desde que nasceu, é desprezada por todo o jardim, ninguém olha para ela, ninguém quer tê-la como amiga, e as poucas vidas do jardim que a olham, fingem não ver a pobrezinha. Eu sou o único que às vezes passa por lá e a cumprimenta. É triste ver a sua solidão.

_ Mas existe explicação para tamanha exclusão? - perguntou abismado, Bambolê.

_ Não. Não há nenhum motivo, pelo contrário, ela é até bonita, e faz tantas coisas legais, mas ninguém a admira, é como se ela nem existisse nesse jardim. Tem lagarta falando por aí que Fefê não pertence a este jardim, foi plantada aqui por engano, pelo jardineiro Serafim, que distraído trouxe uma mudinha no meio das flores azaleias. Ao começar a plantar as mudas, se deparou com o galhinho dessa rosa, e no jardim de azaleias plantou. Desde então, ela está sempre sozinha, e quando flora, só dá uma flor por vez. Fiquei curioso pra saber, dessa floração de apenas uma rosa por vez. Daí, ela me explicou:

_ Ah grilo Miúdo, para viver triste e sem visibilidade, basta apenas uma rosa para passar por esta aflição. Você não imagina o quanto é triste quando ninguém nos presta atenção. Parece até que a gente vive em um deserto sem coração! Embora cheio de outras vidas aqui neste jardim, ninguém me vê, ninguém olha para mim...

Quanta tristeza se via naqueles olhos de flor! O grilo até chorou e prometeu às vidas do jardim questionar, mas ele não podia fazer muita coisa, as vidas do jardim eram orgulhosas demais para ouvir, da rosa alguma coisa ele falar.


Rozilda Euzebio Costa

sábado, 8 de janeiro de 2022

SPHAYK, ALÉM DOS LIMITES

Era para ser uma daquelas missões intergalácticas vitoriosas, onde pudéssemos levar auxílio a planetas que estivessem necessitando de ajuda. Tínhamos as ferramentas necessárias para executar a nossa colaboração, levando o nosso auxílio para ajudar milhares de seres pelos universos e galáxias.

Saímos do Planeta Akau, da Galáxia Phyront no Universo de Kosik, com destino a Terra na Via Láctea, nossa nave e a nave socorrista. Nunca vamos a uma missão sem ela. Por algum tempo permanecemos na Constelação de Órion, auxiliando seres de outras galáxias que tiveram problemas técnicos em suas naves enquanto estavam em viagem estelar. Há em Órion, um ponto de parada de naves em viagens estelares. É como uma grande estação onde se pode descer, fazer revisão nas naves e também descansar para repor as energias. Em Órion se encontra um dos pontos mais destacados de auxílio a viajantes estelares dos universos próximos, com tecnologias muito avançadas.

Depois que saímos de Órion, alcançamos alta velocidade e avançamos muito, parecia tudo normal em nossa viagem missionária intergaláctica.

No entanto, algo na missão falhou, talvez nossa nave não estivesse em condições apropriadas para a grande viagem pela Via Láctea. Nosso destino era o Planeta Terra, e conseguimos avançar bem pelo Sistema Solar, atravessamos com sucesso todas as camadas da atmosfera da Terra, mas no momento do pouso, de repente, perdemos o controle total da nave, o piloto automático parou e todos os botões de controle entraram em conflito, nada funcionou no painel da nave. Caímos bruscamente e houve uma grande explosão...

Não me lembro de muita coisa, mas tenho um lapso de memória do momento do nosso resgate pela nave estelar socorrista que sempre nos acompanhou em nossas missões. Eu gritava, mas eles não me ouviam, eu tinha caído em um distrito habitado por humanos, a uma distância de mais de um quilômetro terreno. Os socorristas não me escutavam, seus equipamentos de localização não me localizaram. Embora eu fizesse um esforço grande para alerta-los de que eu estava ali, era sem sucesso. Tentava usar meu localizador de pulso para sinalizar a eles que estava vivo esperando pelo socorro, mas o localizador entrou em conflito também, e não emitia os sinais precisos para que a equipe da nave me localizasse.

O tempo passava, e eles, preocupados com a possibilidade de serem vistos pelos humanos, e sem saber ao certo como iriam ser vistos e recebidos, decidiram partir, me deixando para trás.

De longe eu observava meu pai entrando na nave socorrista, os outros tripulantes foram salvos também, mas eu fiquei para trás, fiquei na Terra...

O sol começava a despontar e os terráqueos começaram a trafegar próximo de onde eu estava, mas era interessante, eles não me viam, mas eu os via e ouvia! Os animais me sentiam, sentiam a minha presença.

Passei anos terrenos treinando para uma manifestação com os humanos, mas não obtive sucesso. Eu era um foco de luz, apenas um foco de luz na Terra, o que os humanos chamam de espíritos e de visões de outro mundo. No impacto da minha nave no chão da Terra, meu feixe de luz de vida saiu do meu corpo. Fiquei vivendo como um andarilho, me alimentando de energias cósmicas trazidas pelos orvalhos da madrugada. Ninguém nota isso, mas os orvalhos estão repletos de energias cósmicas.

Fui vivendo atordoadamente como feixe de luz, até que um dia, uma cadela estava para ter filhotes, então pensei, porquê não? Posso me tornar um cãozinho e assim viver visível entre os humanos! Eu tinha apenas alguns segundos para mergulhar no túnel que a luz de vida se utiliza e entrar em algum daqueles cãezinhos que iria nascer naquele momento. Fiquei na expectativa para a grande tentativa. Seria talvez um golpe de sorte, conseguir adentrar como espirito vivente no filhote.

Assim se deu, fui com tudo no momento do nascimento do templo canino. Um grande clarão inundou tudo em volta, eu perdi por um instante todos os meus sentidos de ser de Akau.

Certamente após aquele instante de imersão no corpo de um cão, eu deixaria parte de minhas memórias para trás, já que, a estrutura mental de um cão não suportaria as minhas atividades mentais como um ser diferente em composição mental.

Alguns meses terrenos depois, eu estava vivendo como um cãozinho, algumas de minhas lembranças iam e viam como flashes esporádicos. Eu não sabia me comportar como um cão normal, eu era extremamente rebelde, queria morder todo mundo, como se todos aqueles humanos tivessem culpa do que aconteceu comigo. Eu nunca fui mau na minha vida antes de me tornar um cão, pelo contrário, eu sempre tinha um sentimento de solidariedade e fraternidade com todos os seres vivos.

Os meus maiores conflitos na minha vida como um cão, eram os motoqueiros, bicicleteiros e alguns carros, eles me incitavam um sentimento de raiva e de ira, talvez porque no meu subconsciente de ser intergaláctico, eu sabia que tinha sido deixado para trás naquela missão. Eu não me conformava de ter sido deixado na Terra. Constantemente me vinham os flashes da partida da nave socorrista, me deixando sozinho na Terra, sem ninguém do meu planeta ali comigo.

Todos aqueles filhotes nascidos naquela noite foram abandonados na rua, e passaram cada um a se virar à sua maneira para sobreviver. Eu cresci na rua. Era alimentado pelos humanos que viviam na vizinhança de onde fomos abandonados, todos aqueles humanos de certa forma me ajudavam a sobreviver naquele ambiente que não era o meu ambiente, naquela vida de cão que não era a minha vida. Os outros cãezinhos nascidos naquela noite não sei que rumo tomaram.

Quando eu estava dormindo, eu tinha sonhos com o meu Planeta e com a minha família. Sonhava com as viagens em missões junto ao meu pai, mas quando acordava, me sentia angustiado, e uma dor enorme tomava conta de mim. Mas eu era um cão e não sabia identificar tais sensações como sendo a falta incontrolável de minha família e do meu verdadeiro lar.

Nesse impasse, vivendo de memórias vagas no corpo de um cão, muitos anos se passaram. Eu diria que vivi, talvez, uns sete ou oito anos humanos como um cão, naquela vida rebelde, mas ao mesmo tempo, doce, com o carinho que recebia de alguns humanos.

Havia um humano terráqueo em especial, que começou a construir uma casa em um pedaço de terreno na rua que eu morava. Eu gostei dele, sabe! Era cantor e me parecia ter um espírito milenar, eu via isso nos olhos dele. Ele me tratava bem. Comecei a me tornar seu amigo, vigiei a construção dele por meses, até que ele terminou de construir e se mudou para lá com sua companheira. Ele tinha outro cãozinho, uma miniatura de cão, eu era bem maior que o outro cãozinho. Ficamos amigos, eu e o cãozinho, mas o pequenininho era fujão, quando o humano abria o portão ele saia em disparada, eu estava sempre tentando defender ele dos outros cães da rua.  

Depois que o humano mudou para a construção nova na minha rua, ele e sua companheira passaram a me alimentar todos os dias. Muitas vezes eu dormia na área da casa deles. Eu também fazia buracos no quintal deles, o humano cantor ficava meio aborrecido comigo... Meio nada! Ele brigava muito, mas eu nem me importava com as brigas dele, lá eu me sentia em um lar.

Depois de alguns anos eles tiveram uma filhinha, e as coisas seguiram um ritmo normal por muito tempo.

Toda aquela vida não era assim tão normal para mim, e quando eu estava em meus extremos conflitos, eu ficava transtornado e queria morder as pessoas que passavam na rua. Pobre dos carteiros! Eu sempre queria morder eles, não sei o porquê dessa raiva dos carteiros.

Um dia mordi um humano malvado e ele tentou me matar, me deu uma facada e cortou uma de minhas orelhas... Eu quase morri, sangrei muito e senti dores incontroláveis pelo meu corpo. Os humanos da rua se juntaram e me levaram a uma clínica, pagaram o meu tratamento. Fiquei internado por quase uma semana, depois voltei para casa e fui cuidado pelo humano cantor e sua companheira. Eles me deixaram na área da casa deles, me davam os remédios e cuidavam de mim enquanto minha saúde de cão era recuperada.

Faltou-lhes dizer que, enquanto estive à beira da morte internado na Clínica, eu sonhava constantemente com minha família no Planeta Akau. Eu via meu pai e minha mãe ao redor do leito me olhando e sorrindo para mim. Eu tinha dúvidas se era mesmo um sonho ou realidade projetada. Em nosso Planeta, projetamos realidades a milhões de anos luz, como essas apresentações ao vivo que fazem na Terra, só que em Akau, temos tecnologia que avançam galáxias distantes, adentram outros universos e chegam a um destino tecnologicamente programado, projetando realidades a milhões de anos luz de distância.

Mais de um ano terráqueo se passou depois de minha quase morte como um cão. Eu já estava até me esquecendo de minha verdadeira vida fora daquela vida de cão que levava, já estava habituado a viver como um cão, comendo restos de comida nos lixeiros das ruas e dormindo tranquilamente pelas calçadas.

Porém, a vida de um cão tem a duração bem inferior que a vida dos humanos. E um dia, comecei a me sentir perturbado e já não me via inteiro como um cão.

Comecei a ter visões estranhas a noite e sentimentos de confusão, eu não as compreendia. Por noites seguidas vi um veículo todo iluminado passando perto de mim, como se estivesse em outra dimensão, mas, no entanto, eu podia vê-lo. Era uma nave espacial, mas eu não sabia mais o que era uma nave, como era uma nave. Enquanto cão, havia me esquecido dos veículos espaciais e das grandes naves intergalácticas todas iluminadas. Me senti assombrado quando comecei a ver tal nave que, todos os dias terrenos, depois da meia noite, ela passava pela rua que eu morava. Eu via os rostos de alguns tripulantes sendo projetados através de hologramas, parecidos com janelas. Dava a impressão de que eles estavam procurando alguém ou alguma coisa. E estavam! Ele estavam me procurando! Era o meu pai me procurando, ele já sabia que o meu feixe de luz de vida estava vivendo dentro de um corpo de cão, mas eu ainda não sabia que era o meu pai.

Na terceira noite após estas visões, eu estava dormindo pesadamente, deitado na rua sem me preocupar com o perigo, quando, de repente, um veículo terreno, conduzido por um humano inconsequente, veio em alta velocidade e me atropelou. Eu levei um grande choque, surgiu um imenso clarão diante de mim, e eu vi a nave que, dias antes. havia visto em minhas visões.

Após o abrupto impacto do veículo terreno sobre mim, eu era novamente apenas um feixe de luz. Eu olhava atordoado para os tripulantes da nave enquanto eles caminhavam em minha direção. Um deles era o meu pai, e eu o reconheci no mesmo instante em que olhei para ele. Eu queria abraça-lo, mas como feixe de luz, eu não tinha matéria física firme, o meu abraço atravessou o corpo dele de um lado para o outro. Ele falou comigo, eu consegui ouvir sua voz. Ele me pediu para acompanhar ele, e eu fui. Enquanto íamos para o interior da nave ele começou a me explicar o que tinha acontecido comigo.

No interno da nave havia um leito e o meu corpo estava lá, era incrível, parecia adormecido, eu estava fora dele, mas sabia que era o meu corpo. Um ser ancião veio em minha direção, e me pediu para chegar próximo ao meu corpo que estava no leito. O ancião, com um aparelho nas mãos, aproximou-o de mim e me fez sentir um grande choque, um impacto tão grande como o impacto que me tirou do corpo daquele cão.



Após alguns minutos, recobrei a consciência e percebi que já estava no meu corpo, sim! Era eu! Inacreditável me ver novamente no meu corpo, mas eu ainda não estava compreendendo nada. Meu pai veio em minha direção e nos abraçamos demoradamente. Ele me falou do quanto sofreu naquele dia em que nossa nave havia caído na Terra e se destroçado toda. Me falou de minha mãe e de minhas duas irmãs, do quanto elas sofreram e da expectativa que elas tinham de me ver novamente.

Meu pai me explicou todo o processo do meu retorno, e o mistério do meu corpo estar intacto. Eu não sabia, mas ele, cuidadosamente antes de partirmos para a nossa missão, havia clonado nossos corpos materiais e os manteve conservados, com o uso de tecnologia desenvolvida por cientistas de nosso planeta. Eu fui a primeira experiência do projeto dos cientistas de Akau, e deu certo. Graças ao meu corpo clonado, meu feixe de luz de vida teve a chance de voltar a viver a vida de antes com o meu corpo no meu planeta e com a minha família.

No entanto, devo esclarecer uma coisa – como meu pai me encontrou? Como ele sabia que eu estava vivendo a vida de um cão? - Depois de minuciosos estudos e pesquisas, viagens missionárias e rastreamentos na área do acidente e próximo a ela, ele havia detectado o meu feixe de luz de vida a viver dentro de um cão. E mais ainda, ele localizou o cão! Isso foi incrível.

Meu pai é um ser de mente muito avançada, sua mente tem capacidade de avançar telepaticamente longas distâncias. Ele se comunica com tripulantes de nossas naves com a utilização do pensamento. Ele perdeu a conexão comigo porque a minha mente estava em profunda perturbação logo depois do acidente com a nave, e depois, passei a viver com a mente de um cão, daí se tornou impossível ele se comunicar comigo.

Os estudos do meu pai e de sua equipe fantástica, mostraram que só havia uma maneira de eu voltar a ter a minha vida e retornar para o meu planeta, precisava ter o meu corpo de volta, entrar dentro dele novamente, seria até para os cientistas um trabalho muito sensível e arriscado.

Aquela noite do resgate foi marcante em minha trajetória de vida e de missionário intergaláctico. Ao recobrar meu equilíbrio e dialogar novamente com meu pai e toda a tripulação, tive a certeza de que não irei parar com o meu trabalho junto ao meu pai, faremos outras viagens por outros universos, galáxias e planetas. Serei como o meu pai, um missionário incansável.

 

Sphayk

 

Um conto de ficção, escrito por: Rozilda Euzebio Costa

08/01/2022

Cinzas da vida

  Um homem de vida cinza e vazia, perdido em pensamentos que também estão cinzas, aqui estou eu na palidez da vida, olhando para esse tempo ...