quarta-feira, 27 de março de 2019

Bulindo com a mulher do próximo




Quando se é um jovem em transição da adolescência para a fase adulta, a prudência é apenas uma palavra contida no dicionário, cujo interesse em saber o seu real significado passa bem distante na lista de coisas importantes a serem aprendidas.
Tudo que um jovem deseja aprender está relacionado às descobertas prazerosas do mundo, e isso, claro, para um rapaz com o fogo nas calças, inclui conquistar o maior número de garotas possível, e ser considerado o conquistador do pedaço.
E quando se tem um pai que vê em seu filho o mesmo que ele fez, é motivo de preocupação ainda maior. Um jovem passando pela descoberta do sexo é algo muito sensível, e motivo de muitas preocupações paternas, pois é uma fase em que a prudência realmente passa bem distante de sua mente, aliás, nem faz parte de seu dicionário.
Neste conto é exposto a história de Ademar e Dilsinho, pai e filho, ambos muito semelhantes, além de se parecerem fisicamente, o pai se via em seu filho. A juventude de Ademar estava a se espelhar diante dele em seu filho Dilsinho.
Aquele dia tinha tudo para ser um dia comum, como qualquer outro na casa de Ademar, exceto pela discussão entre ele e seu filho Edilson, o Dilsinho pegador, como era chamado entre seus amigos da mesma faixa de idade. Levava a alcunha de, “Pegador”, porque não escapava nenhuma garota, sequer, de sua lábia, e de suas investidas.
Porém, dessa vez, a coisa foi muito mais além de uma simples conquista, e a discussão do pai com o filho não foi possível deixar de acontecer pela gravidade dos fatos.
Aquela chuva de palavras duras ouvidas de seu pai não foi apenas um alerta comum que um pai faz para o seu filho. Foi realmente um puxão de orelha daqueles bem duros e doídos, que martelou dentro do juízo. O motivo? o garoto estava “bulindo com a mulher do próximo”! E quem era o próximo? O leitor nem imagina! Quando eu digo que os jovens não tem nenhum pingo de juízo, eu não estou exagerando. O próximo neste conto aqui era o primo de primeiro grau de Dilsinho! O jovem estava bulindo com a mulher do seu primo, filho do irmão de seu pai.
A expressão “bulindo”, é uma forma bastante popular de dizer, mexendo, ou seja, cortejando.
Por sorte o jovem ainda não havia chegado às vias de fato com a mulher de seu primo, estava ainda na fase dos cortejos e galanteamentos.
A mulher do primo também era muito nova, e não se tinha ideia de até quando ela iria resistir, porque o Dilsinho era boa pinta, um garoto bonito de pele morena, cabelos lisos, partidos para o lado direito, com algumas mechas caindo sobre os olhos.
Com o fogo da juventude quando na fase das descobertas, Dilsinho não deixava escapar uma garota, aquela que caísse em sua rede era peixe, e ele “traçava”, maneira de dizer que ele namorava mesmo.
O pai Ademar, estava sempre vigiando os passos do filho Dilsinho, mas às vezes ele conseguia fazer as coisas nas caladas da noite, e o pai não ficava sabendo. Dilsinho era motivo de muita preocupação para Ademar. O que mais lhe preocupava era o pensamento de que o filho caísse na tentação de ter casos com mulheres casadas. Já havia ouvido falar de muitos casos de conflitos por causa desses casos de jovens com mulheres casadas, inclusive sabia até de mortes de alguns homens porque buliram com mulher casada e os maridos descobriram.
O primo de Dilsinho, o Evaldo, esposo de Amanda, a personagem das confusões, estava a viajar naquele momento. Por sorte! E na discussão, Ademar esbravejava com Dilsinho dizendo:
_ Agradeça a Deus por seu primo estar viajando, senão você estava na merda. E eu, como seu pai, também estava mergulhado na sua merda seu inconsequente! Como que você vai bulir com a mulher do seu primo?! Você está louco? – o pai estava muito nervoso. No entanto, o filho se defendia e negava tais atos.
_ Quem contou isso pro senhor pai? Isso é mentira pai! É mentira! Eu nunca buli a mulher dele...  O garoto foi interrompido pelo pai que estava extremamente nervoso.   
_ Ah não? Deixa de ser cara de pau Dilsinho! Quem me contou não é de ficar espalhando mentiras, é uma pessoa muito séria! Não é mentira! Quem me contou ouviu você falando besteiras para ela, cantando ela! Meu Deus, eu fico só imaginando se o seu primo descobre isso! Você estará ferrado! Quando eu tinha a sua idade eu era mais prudente meu filho. E tem coisa que é falta de respeito sabia? Você está desrespeitando o lar do seu primo! – dizia o pai.
_ Tudo bem pai, eu admito que falei umas coisas para ela, mas o senhor não sabe da história direitinho... – Dilsinho foi interrompido pelo pai.
_ Ah não sei? E tem mais coisas?! Diz Dilsinho! – questionou surpreso.
_ A verdade pai, é que a mulher do Dilsinho dá em cima de mim faz tempo ó! Não é de agora que eu me esquivo fugindo dela. Desde quando eles se casaram e vieram morar aqui no nosso bairro. Pai, ela já deu pra dois amigos meus, e não é mentira viu! Eles me contaram os detalhes disso. Eu sei que eu tenho as minhas culpas pai, mas o Evaldo não deu sorte com a mulher dele. Ela é uma desavergonhada pai. – disse o garoto.
_ O que que você está dizendo Dilsinho? Essa acusação é grave! – disse Ademar com ar de espanto.
_ É grave mesmo pai, e é a mais pura verdade. Se o senhor quiser eu provo.
_ Pobre do meu irmão Thiago! Que vergonha! – disse Ademar.
_ Pobre do Evaldo pai, com as galhadas o tempo todo na cabeça! O coitado tem que se abaixar pra passar nas portas. – respondeu Dilsinho.
_ Isso é coisa séria e você fica aí com brincadeira Dilsinho? – disse Ademar.
_ Não pai, eu não estou com brincadeira, é somente força de expressão. Mas ela trai ele sempre. Acho que ela não ama ele...
_ Isso não é da nossa conta Dilsinho.
_ Eu sei pai.
_ Mas isso também não justifica o seu erro Dilsinho, fica longe da Amanda está entendendo! Fica longe da Amanda, não me traga problemas pra nossa família entendeu? – alertou.
_ O senhor não vai contar pro tio Thiago, não é pai? – perguntou Dilsinho.
_ Por enquanto não. Mas vou observar esta história direitinho. Se eu comprovar que tudo isso que você está me dizendo é verdade, eu vou conversar com ele. Meu irmão precisa saber, até para evitar futuras confusões em família.
_ Pai, já que estamos falando sobre mim, tem uma coisa que eu quero falar pro senhor, porque é bom o senhor ficar sabendo. – disse o filho.
_ O que é? Tem mais problemas ainda? Tem mais coisas que não chegaram aos meus ouvidos Dilsinho? – perguntou o pai com assombro.
_ Tem pai. É muito grave também. Sabe o seu amigo e fornecedor de trigo, o Sr. Waterloo?
_ O que tem o Waterloo? – Ademar perguntou com ar de curiosidade.
_ Sabe a mulher dele?
_ A dona Raimunda?
_ Sim, a dona Raimunda pai.
_ Diz logo Dilsinho! Você está me deixando mais preocupado ainda! – disse o pai.
_ Então pai, ela vive me chamando pra sair com ela... – Dilsinho viu o pai arregalar os olhos com ar de assombro.
_ O Quêeeee! A dona Raimunda? Aquela senhora tão séria?! Você está inventando isso seu moleque! A dona Raimunda é uma senhora! Eu não quero saber de você mentindo e inventando as coisas pra mim não viu! – disse zangado.
_ Pai... – Ademar interrompeu.
_ Isso é muito, muito sério mesmo, imagina se... – Dilsinho interrompeu.
_ Pai, escuta pai, isso que eu estou falando pro senhor está acontecendo já há algum tempo! Eu é que me faço de desentendido e caio fora toda vez que ela vem com a história da gente ir pro motel.
_ Motel?! Eu estou mesmo é lascado! O meu filho envolvido até o pescoço em confusões com mulheres casadas. Primeiro descubro sobre a nora do meu irmão, agora, sobre a esposa do meu amigo e fornecedor de trigo! Aonde eu vou parar desse jeito? Meu Deus, que vergonha! – disse Ademar, decepcionado.
_ Pai, não é o senhor que tem que ter vergonha.
_ Cala a boca Dilsinho! Chega! Você, a partir de agora, vai andar bem longe da casa do seu primo Evaldo. E vai ficar muito longe também da dona Raimunda, entendeu? Me faça esse grande favor, não me arrume mais confusões. Ah meu Deus, minha cabeça vai explodir! Você tem ideia do que eu estou passando Dilsinho? – disse Ademar.
_ Desculpe pai, eu prometo pro senhor que nunca mais vou ser motivo de preocupação pra sua cabeça. Eu prometo pai. Mas já que estávamos falando da Amanda, eu achei melhor o senhor ficar sabendo também da dona Raimunda. – Dilsinho realmente falava sério.
Ademar agora tinha maiores preocupações para com o filho Edilson, o Dilsinho como era chamado. Mas foi melhor assim, ter uma conversa esclarecedora com o filho, pois sabendo o que o filho estava vivenciando, daria a ele maior clareza na forma de poder ajuda-lo a passar aquela fase de transição para a vida adulta e responsável.

Todo jovem, quando na fase da descoberta do amor e das sensações do corpo, passa por inúmeros desafios e conflitos, são desafios estes que, alcançam os pais e lhes tiram de sua zona de conforto. O importante é saber resolver os impasses com o diálogo, e com uma profunda investigação da verdade.
Os jovens são cercado de muitas curiosidades na descoberta do seu corpo e nas novas experiências e sensações. Muito do que eles vivenciam vem das influências externas, e até mesmo de uma exibição diante dos grupos de amigos dos quais fazem parte. Muitos jovens fazem coisas para provar que são donos de si, e que são capazes de fazer tais coisas. Eles não fazem porque desejam essas coisas, mas fazem porque alguém os desafiou a fazerem.
Acompanhar o desenvolvimento físico e psicológico dos filhos é uma obrigação dos pais, é uma ação que não pode ser transferida para a sociedade. É em casa, no seio familiar, que os pais precisam estar sempre dialogando com os filhos, esclarecendo as suas dúvidas, ouvindo-os com paciência e sem prevenção. Há pais que não deixam os filhos falarem de suas dúvidas e curiosidades, porque eles próprios trazem consigo muitos tabus, vividos e experimentados por eles mesmos na infância e adolescência com seus pais.
Se os pais não falam abertamente e de forma prudente com os filhos, a rua vai falar, e o pior, a rua vai falar da forma mais inadequada e perigosa possível, usando a linguagem da experiência real, causando-lhes dores, traumas, e trazendo-lhes imensos sofrimentos, os quais eles levarão suas marcas por toda a vida. Muitos jovens poderiam ter tido destinos diferentes, e terem tido uma vida mais feliz, se seus pais tivessem tido com eles, diálogos esclarecedores no seio familiar.


Rozilda Euzebio Costa
27 de março de 2019
Coletânea de Contos Contemporâneos 2019
   

sábado, 23 de março de 2019

Sujeito sem patrão




Casa sem chão, sujeito sem patrão, 
Meu pensamento é um ser indomável, 
Causador de conflitos e confusão, 
Ele vive dentro de minha mente, 
E possui uma força inesgotável. 

É um sujeito obstinado, 
Imaginativo e incontrolável, 
Nada lhe impõe controle, 
Exceto as linhas da minha razão, 
Cuja sensatez é mesmo formidável. 

Ideias misturadas e sem coesão, 
Este sujeito é incorrigível e inigualável 
Vive a esmo e desgovernado, 
Possui inúmeras e infinitas facetas, 
É um argumentador incontestável. 

Rozilda Euzebio Costa 
23 de março de 2019

sexta-feira, 22 de março de 2019

O Alto do Pingo de Amor (Inspirado nos romances de cordéis)

O Alto do Pingo de Amor
(Inspirado nos romances de cordéis

Num reinado muito distante, localizado bem além dos confins da Terra, existiam duas famílias amigas que viviam muito próximas uma da outra. Eram separadas apenas por um pequeno riacho, considerado a divisa entre suas terras. 

Uma das famílias possuía duas belas filhas. A outra, apenas um filho. E este filho carregava o peso de um grande segredo: ele era encantado! Durante o dia se vestia como um asno, e a noite se transformava em um belo príncipe. Mas ninguém poderia saber do que se passava com o príncipe, era um segredo que o jovem carregava consigo, e que somente poderia ser revelado para a jovem que viesse a se tornar sua esposa. E ainda, o segredo seria revelado somente após o casamento. Nem mesmo sua mãe sabia que o filho era um príncipe. Ela o via apenas como o menininho que ela havia encontrado em uma cesta abandonada na porta de sua casa. Era um grande segredo do qual ninguém sabia senão ele próprio. Somente ele, ao crescer, se recordaria de sua sina. Ele era um príncipe de outro mundo que sofrera a maldição de uma bruxa má, que desejava se casar com ele, mas ele a rejeitou. Ela então o enfeitiçou, fazendo com ele se transformasse em um bebê. Levou-o até a Terra e o abandonou de frente à casa de uma mulher bondosa, que tivesse muito amor no coração para recebê-lo como filho e ama-lo apesar de suas transformações. Logo após a sua maldade, ela assumiu o reinado, matando toda a família do príncipe, assumindo o trono de rainha.

A bruxa má não quis destruí-lo, mas o castigou por ele não amá-la como ela desejava. Ela determinara em sua maldição que, durante o dia ele se pareceria com um asno, e a noite tomaria de volta sua verdadeira aparência. E tão logo se tornasse um jovem, se recordaria de seu reinado e de sua origem de príncipe. E isto seria para ele maior sofrimento, porque não poderia voltar para o seu reinado, a não ser que, uma jovem apaixonada descobrisse o seu encanto. 

A sua aparência se transformaria quando ele começasse a crescer. Durante o dia se pareceria com um asno, e durante as noites tomava de volta sua aparência real de príncipe. 

No entanto, o menino tinha um destino para cumprir, um destino que ninguém jamais imaginaria. Desde que fora transformado em um bebê, o garotinho já carregava consigo o peso deste encanto de uma bruxa má. A mãe adotiva acreditava que ele era apenas um menino normal como qualquer outro, ela não percebia que a noite ele se transformava em um príncipe, cuja beleza era incomparável. Olhar de mãe não identifica certas peculiaridades em seus filhos. 

O fato é que, o rapaz que durante o dia tinha a aparência de um asno, cresceu e desejou se casar. Ele se apaixonou pela filha mais jovem da família que vivia do outro lado do rio, mas não teve a coragem de falar para pais dela. 

A mãe do jovem asno percebendo o seu desejo e já sabendo que nenhuma jovem daquela região iria querer se casar com ele por causa de sua aparência de asno, que era somente durante o dia mas ninguém sabia disso, resolvera conversar com os pais da jovem. Foi até lá e pediu a mão da filha mais velha em casamento para o seu filho. A jovem, mesmo contrariada, acatou o acordo entre as duas famílias. Casar-se-ia com o asno mesmo contra a sua vontade. 

Assim, tudo foi acertado, e os dois se casaram em uma grande cerimônia matutina. 

Porém, logo na primeira noite de núpcias o príncipe ficou viúvo. Sua esposa sofreu um infarto súbito e morreu do coração logo depois que descobriu que o seu marido era o homem mais lindo que ela já havia visto em toda a sua vida. Ao descobrir o grande segredo do asno, a moça não resistiu e morreu. 

Todos ficaram muito tristes com a morte da jovem esposa, menos o jovem asno, é claro! Pois ele não amava aquela jovem, e sim, a sua irmã mais nova. Ninguém sequer desconfiou do que poderia ter acontecido naquela noite. 

Os dias se passaram e novamente, o jovem interessado que estava pela irmã mais jovem de sua finada esposa, procurou sua mãe e lhe pediu para que fosse conversar com os pais dela e lhes pedisse sua mão em casamento para ele. 

A mãe um tanto ainda assustada com a morte de sua primeira nora resolvera então acatar o pedido de seu filho. Foi até aquela família e pediu a mão da outra jovem em casamento para o seu filho asno. Os pais dela, mesmo com muito receio, resolveu dar a filha em casamento para o jovem asno que se dizia estar apaixonado, porque sua filha disse que também o amava, ela não se importava com a sua aparência de asno. 

Dentro de poucos dias foi realizado o segundo casamento do jovem. Novamente a cerimônia se deu pela manhã. Fora uma festa lindíssima e regada de muita alegria, pois o jovem asno estava se casando com a mulher que de fato ele amava. 

Com tamanha felicidade, o asno se casou com sua jovem amada, e já na primeira noite de núpcias, o príncipe se despiu daquela veste horrível que o deixava com a aparência de um asno. Tão logo a jovem esposa o viu, percebeu que seu marido era um lindo príncipe e caiu ainda mais de amores por ele. Já o amava, mas ficou perdidamente enlouquecida de amor pelo marido. Mas o marido pediu-lhe o maior sigilo quanto ao seu segredo. Somente ela, a esposa, poderia conhecer seu segredo, e mais ninguém! Ele já não desejava mais retornar ao seu reinado. Ela nunca deveria dizer a ninguém quem ele era de fato: um príncipe! Se ela o fizesse, o encanto da bruxa o levaria de volta ao seu reinado. Essa era a condição de ele voltar; ter o seu segredo revelado por uma jovem que o amasse profundamente. 

Logo que amanheceu o dia, a jovem, feliz por saber que seu marido era um príncipe encantado, não resistiu e acabou contando a toda a família sobre a beleza do príncipe e sua origem real. 

O príncipe sofreu tão grande decepção com a revelação da esposa, que teve que voltar ao mundo do qual pertencia. Para o seu maior sofrimento, antes de ser transportado para o seu reino encantado, disse estas palavras com muita mágoa, para a jovem esposa: 

- Oh esposa cruel! Você quebrou o meu encanto! Contou a todos o meu segredo! Agora vou ter que ir embora para muito longe! Se quiser algum dia me ver novamente, terá que ir me procurar no Alto do Pingo de Amor. 

E falando isso, aquele jovem asno desapareceu no mesmo instante, e ninguém mais consegui vê-lo. 

A moça entrou em desespero, pois não poderia mais viver sem o seu príncipe. Decidiu imediatamente ir atrás dele, nesse tal “Alto do Pingo de Amor”. 

Logo que o príncipe desaparecera, a moça saiu a sua procura por toda aquela região. Precisava encontrar o lugar para onde ele havia sido transportado. Viajou noites e dias. Visitou todos os cantos da Terra, e nada de encontrar o seu esposo. 

O tempo foi passando, mas ela não desistia nunca de procura-lo. Depois de ter peregrinado por toda a Terra, resolveu ir até a casa da Lua, pra ver se, talvez, fosse lá o reinado do Alto do Pingo de Amor. 

Ao chegar avistou uma casa enorme, muito bonita e totalmente diferente das construções que já havia visto em sua vida. 

Bateu na porta, e uma senhora a atendeu com presteza. Ela então perguntou para aquela senhora se acaso sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor. 

Para sua decepção aquela mulher não sabia, mas lhe pediu para que aguardasse até chegar sua filha, a Lua. Talvez a Lua soubesse onde ficava o tal lugar, pois durante as noites ela viajava por toda a Terra e por outros mundos. Mas antes, precisava saber se ela estava disposta a recebê-la. 

Disse a mãe da Lua: 

- Olha Peregrina, se vista com este casaco e esconda-se detrás desta porta, pois quando a minha filha Lua chega faz um frio enorme! Você poderá não suportar! 

Não demorou muito e a Lua chegou. Sua mãe foi falar-lhe: 

- Minha filha, se viesse aqui uma peregrina, vinda da Terra, você a receberia? 

- Mas é claro que sim minha mãe! A Terra é um lugar muito longe! Portanto eu a receberia sem nenhum problema. 

A senhora então mandou que a jovem moça saísse de detrás da porta e fosse falar com sua filha, a Lua. 

Para tristeza da moça, a Lua também não sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor. Em compensação pela visita, lhe deu uma linda toalha de mesa toda feita em ouro. Seu brilho era tão intenso que poderia clarear todo o ambiente onde ela estivesse estendida. 

A Lua incentivou a peregrina moça a procurar o Sol. Poderia ser que o Sol soubesse onde ficaria esse tal lugar, pois ele conhecia e visitava até o menor canto da Terra – disse a Lua. 

A moça peregrina agradeceu o presente e seguiu viagem. Viajou por dias e noites, passou fome, sede, e frio, e sofreu todo tipo de imprevistos. 

Enfim, depois de muito caminhar e peregrinar, ela chegou à casa do Sol. Também ali fora atendida por uma velha senhora de aparência alegre, e muito simpática, que logo a fez entrar. 

Na casa do Sol a moça peregrina perguntou àquela senhora, se ela sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor. Para sua decepção, ela também não sabia! Mas pediu-lhe que aguardasse seu filho Sol chegar de sua jornada de trabalho. 

- Veja bem - disse a senhora para a peregrina - proteja-se, atrás desta porta, pois o meu filho quando chega tráZ com ele um calor muito grande! Você talvez não o suporte. 

Assim fez a moça conforme lhe fora instruído. Foi para detrás da porta, para esperar a chegada do Sol. 

A jovem tinha muitas esperanças de que o Sol pudesse lhe ajudar a encontrar o seu príncipe encantado, que agora, já não se transformava mais em um asno durante os dias, pois o seu encanto havia sido quebrado quando ela contara para todos quem realmente era o seu marido. Um príncipe de uma beleza tão incomparável, que na Terra nunca houve beleza que se comparasse. 

O Sol finalmente chegou. Parecia que trazia com ele as chamas de uma fornalha ardente. A sala foi tomada por um calor terrível. Foi preciso esperar um pouco até que o clima do ambiente se estabilizasse. 

Tão logo se tornou possível, a mãe do Sol foi lhe falar: 

- Meu filho, se viesse aqui uma peregrina vinda da Terra, você a receberia? 

- Mas é claro que eu a recebo minha mãe! É quase impossível vir alguém da Terra até aqui! Se vier eu recebo com muito prazer! 

A senhora então chamou a moça que estava aguardando atrás da porta para vir falar com o Sol. 

Depois de perguntar ao Sol sobre o reinado, Alto do Pingo de Amor, e o ouvir dizer que também não sabia onde ficava esse lugar, o Sol lhe presenteou com uma linda travessa toda trabalhada em ouro puro e cravejada de pedras preciosas. A travessa brilhava tanto que seria capaz de clarear toda uma casa com o seu brilho. 

O Sol também lhe disse: 

- Procure o meu amigo Vento. Ele anda muito mais do que eu! Tem visitado lugares que eu ainda não fui. Quem sabe o Vento poderá saber onde fica o Alto do Pingo de Amor! 

Mais uma vez, a jovem peregrina não desistiu de buscar o seu marido príncipe. Precisava encontrar o Alto do Pingo de Amor, pois era para lá que seu esposo havia sido transportado quando a magia de seu encanto foi quebrada. 

A jovem sentia tanta tristeza por ter perdido o príncipe, pois ela o amava com todas as suas forças, e não iria desistir de seu grande amor, nem que viesse a morrer de tanto peregrinar em busca dele. 

A peregrina viajou novamente por dias e noites em busca da casa do Vento. Tinha esperanças de que o Vento soubesse lhe indicar o caminho para o Alto do Pingo de Amor! 

Caminhou tanto que já havia perdido grande parte de sua força física. E já quase não suportando mais caminhar, avistou a casa do Vento. 

Ao chegar, encontrou uma velhinha, que alegremente veio ao seu encontro: 

- Peregrina! De onde vens? 

- Oh bondosa senhora! Eu venho da Terra! Estou procurando o meu amado príncipe! 

- Mas aqui não tem nenhum príncipe Peregrina! Aqui neste lugar, vive somente eu e o meu filho Vento! 

- A senhora não sabe onde fica o Alto do Pingo de Amor? 

- Não querida. Eu nunca ouvi falar de tal lugar! 

De tristeza a jovem quase desfaleceu. De seus olhos, já profundos de tanto sofrer a procura de seu amor, brotaram lágrimas, que escorreram através de seu rosto magro e cansado. 

Aquela bondosa senhora teve piedade da moça peregrina, e disse a ela: 

- Mas, Peregrina, você pode esperar o meu filho chegar de sua jornada de trabalho. Talvez ele possa te ajudar! Sabe, o meu filho Vento é incontrolável e desbravador! Onde houver uma brecha, ali ele passa com certeza! Quem sabe ele já tenha passado por este reinado que procuras?! Mas veja bem; se esconda detrás desta porta de ferro, por segurança, pois meu filho quando chega vem derrubando e arrancando tudo que encontra pelo caminho. O meu filho tem uma força incrível, você nem imagina o quanto ele é forte! 

Tão logo o Vento chegou e se acalmou de sua agitação, sua mãe foi lhe falar: 

- Meu filho, se viesse aqui uma peregrina vinda da Terra, você a receberia? 

- Com todo prazer minha mãe! Pois pra chegar aqui é muito difícil! Quem é esta que de tão longe veio? Arriscando-se por caminhos perigosos e distantes? 

A moça então saiu de detrás da porta e foi conversar com o Vento, já lhe perguntando: 

- Amigo Vento, acaso tu sabes dizer-me onde fica o Alto do Pingo de Amor? 

- Alto do Pingo de Amor? É claro que eu sei!! Conheço também toda a história que ali se conta. Acabei de passar por lá! Rodeei todo o Castelo daquele lugar. Lá tem uma rainha muito malvada. Dizem que antigamente, um Rei bondoso ali havia. O Rei um dia morreu de velhice, é claro! Seu único filho, o príncipe herdeiro, depois de várias decepções amorosas, desapareceu de seu reiunado da noite para o dia! Então, tal reinado abandonado foi invadido por uma Rainha muito má! E agora, dizem que, assim, do nada, o tal príncipe voltou! Porém, a tal Rainha má o escravizou e fez dele seu noivo. Estão preparando tudo para o casamento dela com este príncipe que se tornara seu prisioneiro. O casamento se dará em três dias. Passei a poucas horas por lá, e quando passei, fiz a maior bagunça só para passar raiva em uma serva malvada que faz tudo que manda sua rainha má. 

- Por favor, amigo Vento! Me leve até o Alto do Pingo de Amor! Por favor! Este príncipe que se tornou prisioneiro desta rainha má é o meu príncipe! Nós nos casamos e... 

Depois de um breve relato ao Vento, sobre o que acontecera entre ela e o príncipe, o Vento, comovido, decidiu que iria ajudá-la. 

O Vento também a presenteou com um lindo colar de ouro com grandes pedras de brilhantes. O colar era capaz de brilhar a uma distância jamais alcançada por nenhuma outra luz que não fosse à luz do Sol. A joia era mais valiosa que todos os outros presentes que ela havia ganhado da Lua e do Sol. 

O Vento então pediu que a jovem peregrina subisse em suas costas e se segurasse firme. Depois de se certificar que a moça estava segura, o vento a levou ao Alto do Pingo de Amor. 

Já era tarde quando chegaram ao Alto do Pingo de Amor. O Vento a depositou no chão com segurança e despediu-se dela, desejando-lhe boa sorte no reencontro com seu amado. 

A jovem logo avistou a serva má e aproximando-se dela, lhe perguntou sobre o príncipe. 

A serva lhe disse que o príncipe só poderia receber alguém após seu casamento ser consumado com a Rainha. Somente ela, a Rainha, poderia dar-lhe tal permissão. No entanto lhe advertiu que isso seria algo quase impossível, pois ela o mantinha cativo. 

Já escurecia, e mesmo com tanta severidade, a serva má foi até a Rainha e pediu-lhe para deixar que à moça peregrina se acampasse em um velho galinheiro abandonado, que ficava em frente ao castelo. Era ali que ela deveria se instalar para passar a noite. 

A moça peregrina limpou bem aquele lugar sujo, e estendeu nele sua toalha de ouro. 

Não demorou muito e, aquela toalha com seu brilho intenso, clareou tudo à sua volta. A serva má, que observava tudo à distância, do alto de uma janela do castelo, ao ver toda aquela luminosidade causada por uma toalha de ouro, correu assombrada até a sua rainha e lhe disse: 

- Senhora! Senhora! A Peregrina tem uma toalha de ouro que brilha sem igual! Porque a senhora não compra a toalha dela para usa-la em seu casamento com o príncipe? 

- Vai até lá então! Diga a ela que eu pago o preço que ela pedir pela toalha! 

A serva da rainha correu até a peregrina e propôs o negócio, mas a moça com o intento de ver o seu príncipe, teve logo uma ideia: 

- Diga a sua rainha que eu dou a toalha para ela de presente, mas em troca ela terá que me deixar dormir esta noite debaixo da cama do príncipe! 

A serva voltou correndo até a sua rainha e transmitiu-lhe a informação. Pensativa, a rainha não queria ceder, mas a serva astuta teve uma ideia: 

- A senhora pode fazer o negócio com a peregrina, basta dar um chá que seja forte o suficiente para fazer o príncipe dormir um sono pesado! Assim a peregrina não conseguirá nem mesmo conversar com ele! 

- Então vá! Vá logo! Diga à peregrina que eu a deixo dormir debaixo da cama do príncipe esta noite em troca da toalha de ouro. 

A moça peregrina ficou cheia de esperança, pois depois de tanto tempo peregrinando por todos os cantos da Terra, e de ter estado até em outros mundos, depois de ter passado pela casa da Lua e do Sol, pela casa do Vento, agora finalmente, ela tem a chance de reencontrar o seu adorado príncipe. Agora ela poderia reencontrar o amor de sua vida, aquele jovem por quem estava disposta a morrer se fosse preciso. 

O quarto do príncipe era guardado por dois soldados da Rainha, para que ele não fugisse antes do casamento. 

Logo que o príncipe adormeceu, a serva conduziu a peregrina até seu quarto e a deixou se acomodar debaixo da cama. Tão logo a serva saiu do quarto do príncipe, a moça começou a chamar por ele, com os seguintes dizeres: 

- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho! 

Por várias vezes ela o chamara mas ele não acordava, pois estava sedado com o chá que lhe haviam preparado para que dormisse durante toda a noite e não percebesse a presença de sua amada peregrina. 

Por toda a noite a moça chamou por ele, mas de nada adiantou. Antes que o dia amanhecesse totalmente, a serva veio ao quarto, a mando de sua rainha, para conduzir a peregrina para fora. Esta pediu para ficar mais um dia, pois estava se sentindo muito indisposta para ir embora. Foi concedido pela rainha, que ela passasse mais uma noite no reinado. 

O dia se passou muito rápido e por mais que a moça peregrina procurasse ver seu príncipe, de nada adiantaria. Ele estava sendo mantido prisioneiro e não poderia sair de seus aposentos por ordem da Rainha má. 

Ao anoitecer, a peregrina resolveu que usaria sua travessa de ouro. Desembrulhou-a e colocou no chão. Logo clareou tudo em volta do castelo, e mais uma vez a serva má observava da janela todo o movimento no velho galinheiro. Ao ver aquela travessa com brilho enorme, correu até a sua rainha: 

- Senhora! Senhora! A peregrina tem uma travessa de ouro que brilha sem igual! Todo o castelo está iluminado em volta por causa do brilho da tal travessa! Porque a senhora não a compra para usa-la em seu casamento com o príncipe? 

- Vai até lá então! Diga a ela que eu pago o preço que ela pedir pela tal travessa! 

Da mesma forma que fizera com a toalha, a jovem propôs dormir em baixo da cama do príncipe outra noite. Em troca daria de presente a travessa de ouro para a Rainha. 

A Rainha concordou sem nenhum problema, pois tinha mento o mesmo intento da noite anterior; daria o chá sedativo ao príncipe, assim, ele dormiria um sono pesado durante toda a noite e não perceberia a presença da tal peregrina. 

Mais uma noite em baixo da cama do príncipe, e a moça peregrina chamava por seu burrinho desesperadamente. Aquele jovem que agora já não se transformava mais em um asno durante os dias, mas se tornara para sempre aquele belo príncipe que lhe aparecera na primeira noite em que dormiram juntos, logo após o seu casamento como ele. 

O encanto havia sido quebrado, e o príncipe também vivia uma punição por causa do erro de sua amada; tornara prisioneiro da rainha má, e deveria se casar com ela dentro de poucos dias. Viveria no Alto do Pingo de Amor para sempre, sendo marido e escravo de sua própria esposa má. 

Ali debaixo da cama do príncipe, a moça peregrina começou a chamar por seu amor: 

- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho! 

E assim ela o chamou durante toda a noite. Mas seu amor não podia lhe ouvir! Ele estava adormecido devido ao chá que lhe deram para dormir. 

Antes de amanhecer o dia a serva novamente retirou a moça dos aposentos do príncipe, mas os soldados que observavam tudo ficaram desconfiados de toda aquela trama. Também se sentiram comovidos pelos apelos da jovem peregrina. Então esperaram o príncipe acordar e foram até ele, perguntaram se ele acaso estava ouvindo uma voz que o chamava durante toda a noite. 

- O senhor não viu nada estranho em seu quarto e nem ouviu alguém chama-lo durante a noite? 

- Não! Conte-me depressa o que está acontecendo! 

E a pedido do príncipe, os soldados lhe contaram em detalhes o que se passava. 

Após todo o relato dos soldados, o príncipe decidiu que naquela noite fingiria tomar o chá, para ver se ouviria a tal voz debaixo de sua cama. 

A moça peregrina já se sentia muito triste e quase sem esperanças. Agora, só lhe restava o colar de ouro com pedras de brilhantes, presente recebido do amigo Vento. Tentaria despertar seu príncipe pela última vez. Agarrava-se a esta última esperança. 

O dia passou sem nenhuma novidade, e a noite, depois de ter implorado a serva para convencer a rainha a deixa-la partir somente no dia seguinte, a jovem colocou seu colar no pescoço, e logo todo o castelo foi iluminado. O brilho era tão intenso, que adentrava as janelas e portas do castelo clareando tudo, como se fossem os raios do sol. 

A rainha vendo valorosa joia não se conteve, mandou sua serva até a peregrina para propor a compra do colar, custasse o que custasse! Ela o usaria no dia de seu casamento com o príncipe, pois, portadora de uma grande vaidade, desejava ficar radiante de beleza diante dos olhos de todos no reinado. 

A serva cumpriu as ordens de sua rainha: 

- Peregrina! Peregrina! Minha rainha quer comprar este colar seja qual for o valor! 

- Diga a sua rainha que eu dou este colar a ela, mas ela terá que me deixar dormir uma última noite debaixo da cama do príncipe. 

A rainha concordou logo de cara, pois daria o chá ao príncipe como fizera nas duas noites anteriores. Não haveria nenhum problema. Antes que o dia amanhecesse retiraria a peregrina do quarto do príncipe e a mandaria embora do reinado. Nunca mais ela veria o príncipe, assim pensava. 

A serva adentrou o quarto do príncipe com a xícara de chá e entregou para ele beber, mas ele, disfarçando, fez que bebia e o derramou sem que ela percebesse. 

Depois de algum tempo, ao observar que o príncipe parecia estar dormindo, a serva conduziu a moça peregrina para debaixo da cama do príncipe, saindo logo em seguida. 

A moça logo começou a chamar por seu amor: 

- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho! 

A peregrina o chamou por duas vezes. Naquela noite, ele escutou seu chamado desde a primeira vez, mas resolveu aguardar para ter a certeza de que aquela voz era a voz de sua amada que havia se tornado uma peregrina para ir em busca de seu amado. 

- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho! 

Com tamanha felicidade o príncipe saltou-se de seu leito e levantando-se retirou sua amada de debaixo da cama. 

A saudade de ambos era tão grande que se abraçavam e se beijavam entre lágrimas. O príncipe a beijou longamente e disse-lhe que a amava com todo o seu coração. Combinaram de que nunca mais se separariam. Ele então a perdoou por tê-lo desencantado e com isso tê-lo tornado prisioneiro da rainha má. 

Antes de amanhecer o dia a serva malvada veio buscar a peregrina, mas deu de cara com ela nos braços do príncipe. Seu desespero foi tão grande que ao descer as escadas correndo tropeçou e saiu rolando, derrubando também a rainha má que já estava subindo os degraus da escada para ir ver o príncipe. 

As duas não resistiram à queda e morreram. Os soldados que guardavam o príncipe se tornaram seus amigos e súditos. 

O príncipe se tornou o Rei daquele lugar que sempre fora o seu reinado. E sua amada, a jovem peregrina, tornou-se a Rainha. Mandaram buscar suas famílias naquele lugar longínquo da Terra, para viverem com eles no Alto do Pingo de Amor. 


Os dois tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre.


Rozilda Euzebio Costa 

quarta-feira, 20 de março de 2019

Sandoval e Margarete (Um celular entre nós)


Esta história vem apresentar o drama de algumas pessoas em relação à tecnologia e ao modernismo, muito presente nos dias de hoje. De um lado, o desejo de provar as novidades do mundo tecnológico, e de outro, a impossibilidade financeira de realizar este desejo. O desprovimento das condições econômicas necessárias para acompanhar estas novidades do mercado, levam muitos indivíduos a uma grande frustração.

Sandoval era um homem muito trabalhador, há muitos anos trabalhava como servente de pedreiro para uma construtora, casado com Margarete, uma mulher simples e sem muita vaidade, pai de um casal de filhos biológicos, e ainda tutor de uma sobrinha de dez anos, cujo pai era o seu irmão Francisco que trabalhava no campo. Não pagavam aluguel porque o pai de Margarete lhes emprestara uma casa de tábuas em um bairro da periferia, afastado, localizado nas divisas da cidade.

A honestidade era uma qualidade indiscutível em Sandoval, ele trabalhava duro, de sol a sol, para manter a família. Haviam dias que se tornavam muito difíceis para ele, porque a grana realmente ficava escassa. Margarete não tinha um emprego que lhe proporcionasse uma renda, ficava sempre em casa lidando com os afazeres domésticos e cuidando dos filhos. Quando o marido recebia o salário, entregava todo na mão de Margarete e dizia: 

_ Está aí minha véia, pague as contas e compre as coisas que estão faltando em casa, e não esquece da minha buchada de bode! – dizia. É que toda vez que Sandoval recebia seu salário, se dava de presente uma buchada de bode no fim de semana, que a mulher comprava e lhe preparava com os seus temperos especiais. Ele adorava aquele sabor, e tinha aquele momento como sendo um momento muito especial e importante. Também era somente uma vez por mês, porque o seu dinheiro não dava para comer buchada todo final de semana.

Margarete vez ou outra, comprava um vestidinho para ela e para a Clarinha sua filha, comprava também roupas para o marido e para o filho Luís, e nunca se esquecia da sobrinha Lorrany. Claro que as compras sempre eram parceladas em muitas vezes na loja. Comprava no meio do ano para terminar de pagar com o 13º salário do marido. Mas sabe que eles eram felizes mesmo assim! Mesmo com todas as limitações financeiras das quais já estavam acostumados, eles conseguiam achar graça na vida e não viam os desafios da sobrevivência como sendo um peso duro de carregar.

Sandoval não era tão atrasado em relação à tecnologia, ele e sua mulher Margarete tinham um celular pebinha, para quem não sabe o que quer dizer “pebinha”, é uma expressão para descrever um aparelho celular muito simples, que só serve mesmo para fazer ligações e mais nada. Whatsapp? Instagram? Facebook? Nem pensar! Os aparelhos pebinhas não possuem suporte para aplicativos. Sandoval nem se interessava por isso. Nem ele e nem sua mulher. Ambos estavam muito felizes com seu pebinhas. 

Porém, um dia, o amigo de Sandoval, amigo do peito mesmo, o Nandão, que também trabalhava como servente de pedreiro na mesma construtora, comprou um tal celular moderno, que pegava Whatsapp, Instagram, Facebook, fazia fotos e filmagens bonitas por demais. Nandão se atolou de prestações na loja, parcelou o tal celular em doze vezes, com uma prestação muito alta. Mas Nandão não tinha um “pinto para dar água”, ou seja, não era casado, não tinha filhos, e o único gasto extra que ele tinha era uma cesta básica que ele comprava para sua mãe já idosa.

No dia em que Nandão comprou o celular moderno, chegou no trabalho todo cheio das vaidades, exibindo o aparelho para todos os outros colegas trabalhadores. Todo mundo desejou ver de perto o novo celular do colega, aquilo foi um acontecimento extraordinário, só se via as rodinhas de trabalhadores em volta de Nandão. O Mestre de Obras ficou observando aquele alvoroço todo e resolveu dar uns alertas sérios para que a turma voltasse para o trabalho, porque o serviço estava sendo prejudicado com as novidades de Nandão.

A jornada de trabalho findou-se e Sandoval foi para a casa com o celular de Nandão dentro da sua cabeça. Dizia para si mesmo – eu quero um bicho daquele para mim, vou comprar um também, nem que eu tenha que deixar de comer as minhas buchadas, a Margarete também vai ter que fazer umas economias lá em casa. Economizando nos gastos vou poder comprar um celular para mim igual ao do Nandão. – ele estava obcecado pelo celular moderno do colega. 

Depois que chegou em casa tomou um belo banho, jantou um arrozinho bem soltinho que só sua Margarete sabia fazer, com aquela carne de sol frita e umas rodelinhas de tomate. Abriu a geladeira, pegou um copo de água fresca e ficou tomando olhando fixamente para a mulher lavando as louças na pia. O que Sandoval estava pensando? O leitor nem imagina? Sandoval estava pensando em como dizer para a mulher que iria comprar um celular moderno, caro demais para o seu bolso. Ele sabia que Margarete, mulher muito equilibrada, não iria permitir de jeito nenhum. Até porque, Sandoval já estava há mais de três anos com uma janela enorme na boca, faltavam-lhe quatro dentes no meio da arcada dentária superior. Quando sorria largamente, via-se apenas duas presas enormes, uma de cada lado, como se fossem os esteios de uma portão. Isso nunca havia sido problema para ele, pois não era vaidoso, se preocupava mais em colocar a comida na mesa e não deixar seus filhos e sua esposa passarem fome, do que cuidar dos seus dentes.

Mas, depois que Sandoval viu aquele bendito aparelho de Nandão e o que ele fazia, ficou atordoado, desejou mesmo ter um igual para ele. _ Poxa vida, eu mereço! Dou duro no trabalho há anos, e não posso me dar um presente desses?! – dizia para si. 

Chegou a hora de ir para a cama dormir, ele foi na frente, perfumou-se e deitou esperando a esposa vir deitar também. Ele só queria falar do tal celular para ela, mas como já conhecia Margarete, precisava preparar o terreno para ela compreender e não brigar com ele, precisava usar também as palavras certas.

Quando Margarete entrou no quarto, Sandoval, com uma voz melosa, puxou logo assunto com ela:

_ Ô minha véia, mas você tá tão bonita! Não pense que eu não vejo a sua beleza, é que as vezes eu chego cansado demais do serviço e acabado sem ânimo para nada. Minha véia, me diz uma coisa, o que é que você está fazendo que tá ficando cada vez mais linda? Você está mais linda do que quando eu te conheci! É verdade minha flor! – disse Sandoval. Ele estava a adocicar Margarete, que, já conhecendo o marido, questionou-o:

_ Fala logo Sandoval! Eu te conheço. Quando você vem com esse negócio de me elogiar, é porque está querendo me dobrar em alguma coisa. Vamos! Diga logo Homem! O que é que você está querendo me dizer? 

_ Minha flor, eu não posso te elogiar que você já pensa mal de mim! – disse.

_ Imagina Sandoval, eu não estou pensando mal de você, eu só estou dizendo que você está querendo me dizer alguma coisa, e pelo visto eu não vou gostar. – disse Margarete.

_ Está bem Marga, sabe o que é...

_ Hum, o que é Sandoval?

_ Nandão, aquele meu colega lá do trabalho, comprou um celular porreta demais ó! O bicho só falta falar sozinho!

_ E daí? – Margarete fez uma cara já quase adivinhando o que estava a sair da boca de Sandoval.

_ Daí que eu estava pensando se a gente...

_ A gente o que Sandoval?

_ Se a gente não podia comprar um igual! Eu fiquei pensando sabe, eu trabalho tanto, eu mereço ter um celular daqueles minha véia! 

_ Quanto custa esse celular Sandoval?

_ É... bem... Anh...

_ Quanto custa o tal celular Sandoval?

_ Três mil reais. – Disse levantando as sobrancelhas.

_ Você está louco Sandoval? Você está aí todo desdentado, precisando ir no dentista fazer uma ponte fixa para colocar nessa sua janela gigante, e não vai porque o dinheiro que você recebe só dá para as nossas despesas aqui de casa, e você vem me falar em comprar um celular de três mil reais! Você não está raciocinando Sandoval! – Margarete ficou enfurecida com o marido.

_ Droga de vida! – disse Sandoval decepcionado.

_ Droga de vida o quê Sandoval? É a vida que nós temos meu bem! E eu não reclamo, a gente tem que viver de acordo com a realidade e tentar ser feliz com ela! – Margarete sempre muito ponderada.

_ Olha aqui Margarete, você não tem que se importar com os meus dentes, com a minha janela na boca! Se eu que sou o dono da boca desdentada não estou me importando, porque você vai se importar? – disse zangado.

_ Ah meu querido, você é o dono da sua boca, mas na hora de me beijar sou eu que tenho que aguentar beijar um homem banguela.

_ Poxa Margarete, você nunca reclamou dos meus beijos! – disse Sandoval, decepcionado.

_ Nunca reclamei porque sabia que você gastava o dinheiro com coisas úteis, mas para gastar com os supérfluos, aí não dá né meu filho? – disse.

_ Pois agora é que eu vou comprar mesmo! Vou parcelar na loja em doze parcelas, e vou abrir mão de arrumar meus dentes, vou deixar de comer a minha buchada e tomar minha cervejinha, mas vou comprar um celular igual ao do Nandão. E por um ano, não precisa comprar roupas para mim, deixe que eu me viro com as que eu tenho. Amanhã vou na loja para comprar o meu celular.

_ Nossa Sandoval, como você é cabeça dura! Você prefere comprar um celular caro desses do que ir ao dentista e arrumar seus dentes! Deus me livre Sandoval, você não está raciocinando. – disse a mulher, muito decepcionada. 

A discussão parou e no dia seguinte Sandoval cumpriu o que havia dito, chamou Nandão e foi com ele até a loja onde o amigo havia comprado o celular. E como estava com o nome limpo, conseguiu comprar o tal aparelho moderno.

Sandoval saiu da loja se sentindo tão feliz e realizado que resolveu ligar para Margarete, que ainda estava aborrecida com ele, mas ele estava tão radiante de felicidade que as brigas da mulher se tornaram engraçada. Quem olhava aquele homem parado na calçada da rua falando ao celular e dando gargalhadas de felicidade com a sua boca banguela, mostrando uma janela imensa na arcada dentária superior, não compreendia por qual razão um homem prefere adquirir um objeto caríssimo só porque “todo mundo tem um”, e deixa de cuidar da própria saúde física. Era um contraste entre a aparência e a realidade que estava por trás dela. Muitas vezes o que se mostra para a sociedade externa não condiz com o que realmente se vive. 

Ao vencer a primeira prestação do celular Sandoval já se apertou, o dinheiro não deu, houve discussão em casa, porque Sandoval acusava a esposa de não ter economizado nos gastos do supermercado para sobrar o dinheiro de pagar a loja. Margarete, equilibrada como sempre, socorreu o marido, falou com uma amiga sua que trabalhava para uma família de um bairro nobre, e esta deu-lhe uma informação de grande importância, os patrões estavam precisando de um trabalhador para capinar um terreno, e foi aí que Sandoval conseguiu pagar a primeira prestação de seu celular moderno. Tudo bem que ele perdeu a folga de um final de semana, porque teve que fazer este extra, mas pelo menos conseguiu honrar o seu compromisso. Já as próximas prestações, essas iriam trazer novos desafios. E Margarete já estava ficando com a pulga atrás da orelha com Sandoval por causa de um tal de Zap.

Quando se está razoavelmente centrado, com a mente mais no térreo do que no último andar, já chegando na lua, é possível notar uma infinidade de coisas interessantes e até incompreensíveis nos cenários urbanos. E não é à toa que dizem que um bom observador é capaz de aprender muito mais do que aquele que lê com os olhos, mas a mente está a ver navios. Existem pessoas que aprendem muito mais na observância do que alguém lhes ensinando. Aquele ditado que diz que se você não aprende em casa, a vida vai lhe ensinar, vai de encontro a um aprendizado baseado na experiência e na observância do viver.

Nos dias de hoje, dias em que o consumismo vem crescendo de forma assustadora, há uma desigualdade social muito latente. Mas no que tange exclusivamente à tecnologia, o consumismo avançou sinais e derrubou barreiras diversas, inclusive a barreira do bom senso. Uma grande parcela da população mundial deixa de investir em saúde e conforto para adquirir bens de última geração. Os produtos eletrônicos subiram à cabeça das pessoas. Parece que a coisa mais importante é estar sempre competindo na aquisição de coisas modernas, é ter um carro modelo novo e revolucionário, é ter um celular de última geração, ou mesmo, vestir-se com a última tendência da moda porque todo mundo está vestindo.

O consumo consciente ainda é um desafio para o ser humano, e está longe de ser aderido na sociedade.


Rozilda Euzebio Costa
20 de março de 2019

Cinzas da vida

  Um homem de vida cinza e vazia, perdido em pensamentos que também estão cinzas, aqui estou eu na palidez da vida, olhando para esse tempo ...