domingo, 25 de novembro de 2018

Vagão 8


Naquela manhã de junho tudo parecia meio ofuscado, o céu não se mostrava tão nítido como nos dias anteriores, as paisagens não se mostravam com exatidão. 

Na estação, um aglomerado de pessoas num vai e vem sem fim, cada mente com seus próprios pensamentos e seus próprios sonhos e desafios. Muitos viajando a trabalho, enquanto tantos outros estavam em busca de um significado de sua própria existência. 

Existe uma necessidade no ser humano de desafiar suas forças e seu destino, numa estação se pode ver um encontro de destinos desencontrados e desafiados. Você olha para algumas pessoas tão frágeis e se questiona; como pode alguém assim, estar viajando sozinho?! 

Enquanto algumas pessoas tentam encontrar o seu destino, outras fogem dele como quem foge da morte, são mentes desafiando a si mesmas, numa tentativa de burlar as expectativas contrárias que o destino lhes apresenta. 

No vagão 8, do trem que acabara de sair da estação de Roma com destino a Veneza, se podia notar muito bem que, cada passageiro trazia consigo uma história importante. Alguns até, cicatrizes no coração. 

Havia ali, naquele vagão, que já acumulava milhares de outras histórias de passageiros que passaram por ele, cinco novas histórias. Eram dois brasileiros, uma inglesa, uma espanhola, e um indiano. 

No fundo, as pessoas fogem de si mesmas enquanto acreditam que estão fugindo de situações que não gostariam de vivenciar dentro de seu mundo real de vida. Ou mesmo, acreditam que vão encontrar a felicidade num lugar distante, longe de suas próprias realidades. 

Um médico brasileiro muito abatido, cabelos grisalhos, meia idade, olheiras profundas, e uma necessidade aparente de solidão. Com olhar baixo e sorriso forçado, por ter perdido a esposa recentemente, vitima de um câncer terminal, ele não demonstrava tanta satisfação em estar naquela viagem. Acompanhado de sua filha, uma bela mulher de pele morena e cabelos castanhos longos, com fios de luzes douradas dando-lhe um belo aspecto, ainda com a força da juventude a seu favor, o médico tentava fazer boa presença com os colegas de vagão. Percebia-se bem que ele sentia que estava amparado pela filha, confiava nela, era a filha que conduzia as decisões importantes. Talvez a filha fosse a sua única razão de ainda se esforçar para viver a vida que insistia em lhe cobrar ação. A filha comprara para os dois, um pacote de viagem para a Europa. Acreditava que esta viagem poderia reanimar seu pai, fazê-lo sentir a alegria de viver novamente, podia trazer ele de volta aos seus ofícios de médico com o mesmo ânimo de outrora, de quando a mãe ainda era viva. Após a morte da mãe, seu pai caiu em profunda depressão, pois a esposa era seu esteio, seu ombro, sua alegria. A despedida para sempre de sua esposa lhe deixara cicatrizes profundas na alma. 

Uma jovem inglesa, de olhos verdes vívidos, pele muito alva, cabelos claros encaracolados e uma expressão de firmeza e contentamento com sua nova vida na Europa. Ainda meio enrolada com a nova língua, se fazia entender entre palavras repedidas do italiano, gaguejos e sinais. Falava de sua nova experiência com muito entusiasmo aos demais passageiros. Estava fazendo um curso em Roma, se sentia bem adaptada na cidade eterna. 

Uma espanhola em busca de respostas, falando o italiano até razoavelmente, talvez, o conhecimento da língua do país tenha lhe ajudado a compreender os demais passageiros. Dentro daquele vagão de trem, todos queriam falar o italiano, afinal, não interessa de onde seja uma pessoa, se ela está na Rússia, deve se esforçar para falar a língua russa, se está na Itália, obviamente, se esforçará para falar o italiano. A jovem, de pele clara, alta, forte e destemida, cabelos ruivos e olhos castanhos, não tinha tanta vontade assim de falar, assim como o médico brasileiro, ela também sentia uma necessidade de silêncio e solidão. As conversas paralelas do vagão lhe incomodavam de certa forma. Percebia-se muito bem a sua inquietação com o barulho da fala dos demais. Aquela mulher sentia uma necessidade incessante de descobrir a razão de sua própria existência. Trazia em sua mente tantos questionamentos sem respostas. Não se sentia completa. Vivia a vida como quem está num sonho confuso, onde tudo parece não ter uma forma concreta e firme. Mesmo com o incômodo dos falatórios dentro do vagão de nº 8, a espanhola procurava transmitir um pouco de simpatia para não parecer tão insociável. 

É impressionante como algumas pessoas se socializam com muita rapidez, e como também se acostumam e se adaptam a novos lugares com tanta facilidade. São pessoas que realmente poderão viver em qualquer parte do mundo, que vão sempre florescer e frutificar como se estivessem em sua terra nativa. Acredito que pessoas assim possuem um espírito livre, forte e destemido. 

Um indiano, com sua pele morena e cabelos lisos, ainda muito jovem, de estatura mediana, olhos negros e um pouco vesgos, parecia ser muito simpático e sociável. Ansioso para se fazer entender aos demais passageiros, conversava pelos cotovelos, gesticulava como se estivesse regendo uma orquestra sinfônica. Seu domínio à nova língua ainda era muito precário. Conseguia-se compreender mais pelos seus gestos do que pela sua fala. Mas percebia-se bem que a jovem inglesa simpatizara muito por ele através da atenção que lhe dava e pelo tempo que despendia com ele. 

Quando se está em viagem, se pode ver o outro lado da vida que se passa além das nossas moradas. Há um vai e vem de pessoas nas estações que chega a ser impressionante. Muitos estão a trabalho, mas uma grande maioria destas pessoas está apenas buscando respostas que não encontram em suas casas, em suas origens. Há pessoas perdidas em si mesmas, que não conseguem compreender a vida como ela se lhes apresenta. Muitos se rebelam e fazem as malas, saem pelo mundo em busca de respostas. 

Há quem foge de si mesmo entre uma estação e outra, entre um aeroporto e outro, e há quem nunca se encontra, passando a vida toda numa busca constante e angustiosa de sua razão existencial. 

Há quem, com pés ligeiros, toma um caminho e segue, acreditando que lá, muito além, irá encontrar o que procura.

Existe aquele, a quem a coragem lhe é amiga, lhe toma pelas mãos e lhe ajuda a caminhar até que se encontre em uma nova terra. 

Existem ainda aqueles que acreditam ser de outro mundo e não se adaptam ao mundo em que a vida lhes inseriu. E muitos destes se perdem por caminhos e encruzilhadas, na busca constante do próprio mundo. 

Há também aqueles que não reconhecem nem a própria família, acreditam que todos os membros lhes são estranhos, se sentem um membro inserido num corpo estranho, e por isso, desbravam o mundo à procura de uma família da qual acreditam pertencer. 

Há quem acredita não ter vindo para ficar, e por isso está sempre de malas prontas para partir. São passageiros constantes da vida. Estão sempre de estação em estação, de aeroporto em aeroporto, numa certeza de que a próxima viagem talvez seja a última. 

No fundo mesmo, todos nós somos passageiros da vida, e estamos na estação do tempo. A qualquer momento, o nosso trem pode chegar, e deveremos embarcar nele para partir, deixando para trás todas as nossas ansiedades, conflitos, e planos. 


Rozilda Euzebio Costa 

domingo, 18 de novembro de 2018

Tome uma decisão


Escolhas nos fazem mudar de postura, de caminhos, e de ambientes. 

É certo que toda escolha nos traz imensos desafios, e também provoca um balanço em toda a nossa estrutura física e emocional, e não somente com as nossas, mas também com a estrutura daqueles que convivem conosco e fazem parte do grupo familiar e social. 

Algumas escolhas causam um impacto tão grande na nossa vida que chegam a transplantar as nossas raízes para um novo vaso com terra nova, dando-nos a oportunidade de florescermos novamente e de frutificarmos em outro ambiente. 

Nós somos como as plantas de um vaso, que, durante a vida, precisa ter a terra remexida, reforçada, e adubada constantemente. Precisamos receber limpeza em nossas raízes para que seja retirado o excesso de ramificações desnecessárias, aquelas pontas de raízes que vão se acumulando no vaso da nossa vida, raízes nocivas que crescem e que sugam a seiva da nossa vida. E quando eu digo isso, estou falando de acúmulos de coisas desnecessárias, de amizades nocivas, de vícios prejudiciais à nossa vida e ao nosso progresso humano. 

Às vezes é preciso nos mudarmos para um vaso novo, colocar nele uma terra nova, para que possamos nos revigorar e viver uma vida mais satisfatória, uma vida que dará frutos positivos e saudáveis. 

Quando comparo a nossa vida a uma planta de vaso, eu quero dizer exatamente que, nós, em nosso vaso, que é o lugar onde estamos vivendo, vamos nos acostumando com a inércia, com a rotina do cotidiano, vamos deixando de produzir e de sermos úteis na seara de Deus. Nós, quando vivemos na inércia, vamos criando ramificações prejudiciais à saúde da nossa vida, e até da nossa alma, vamos deixando que o comodismo destrua a nossa seiva de vida. 

Viver requer de nós coragem para mudar quando é preciso mudar. E às vezes é preciso fazer um giro de 360° na nossa vida para que possamos reconhecer a importância de estarmos aqui neste mundo e de sermos úteis nos labores da vida. 

Sentir-se vivo, fazendo bem aquilo que gosta, sendo-se útil em alguma área deste imenso campo da vida, isso é o que realmente importa no final de tudo. 

Rozilda Euzebio Costa

Noitinha quieta


Lá fora a chuva cai,
Sem pressa de ir embora,
E chovendo noite afora,
Parece que ela vai.

Por causa da chuva teimosa,
A noite não quer fazer festa,
Está desanimada e sem inspiração,
Prefere ficar ociosa.

Com toda esta chuva a cair,
Não se verá estrelas no céu,
Impossibilitadas de brilhar,
Todas aproveitam pra dormir,

A lua está de pijama a espreguiçar,
Sonolenta boceja a todo instante,
Quiçá sonhará com o sol,
A quem ela diz tanto amar.


Rozilda Euzebio Costa


domingo, 4 de novembro de 2018

Fortuna - conto infantil


Eu sou um papagaio lindo, verdinho, e muito inteligente, modéstia à parte! Eu nasci no verão de 2004, mas precisamente no Norte do Brasil, num planeta chamado Terra, um planeta lindo, cheio de florestas, rios, cachoeiras, montanhas, mares e oceanos! Ah, e cheio de outras formas de vida também! Cada uma mais linda que a outra! Aqui na Terra, até o presente momento, ainda se pode contemplar todas essas coisas. Eu não sei dizer até quando teremos todas essas maravilhas, já que os seres que, por aqui chamamos de homens, já destruíram muitas coisas legais e necessárias para o equilíbrio da vida na Terra. 

Mas quero continuar com a minha história de papagaio, é por isso que estou escrevendo, para falar sobre a minha vida, e para registrar as minhas experiências vividas aqui. Eu fiz questão de contar que sou da Terra, porque talvez, sem ser pretensioso, mas, quem sabe no futuro os seres de algum outro planeta queiram traduzir e contar a minha história paras as suas crianças! Ou para outras criaturas, não é mesmo? Isso me deixaria muito orgulhoso sabe! E seria muito legal ver a minha história ecoando no Universo afora, sendo reproduzido nas estrelas, nas luas, através das vozes de outros seres. 

Voltando ao verão de 2004, lá numa fazendinha no Norte do Brasil, a minha mãe e o meu pai encontraram um buraco no alto de uma grande árvore, eles sabiam que era o tempo de eles construírem um ninho, e ali, naquele oco na madeira, o fizeram. É que minha mãe já estava preparada para botar os seus ovinhos. Eu estava em um deles! Isso não é o máximo? Saber que eu era apenas um ovinho e agora estou aqui, lindo! Maravilhoso! Todo verdinho! Inteligente! E ainda contando a minha história! A vida é um milagre, não tem outra explicação! E eu sou um papagaio muito feliz com a minha vida. Eu sou um milagre da natureza! Eu sou. Eu existo. 

Então, continuando com a minha história, mamãe botou dois ovinhos naquele ninho; éramos eu e meu irmão, ela começou a chocá-los; vocês sabem, as aves nascem de ovos, e eles precisam ser aquecidos por, dias e dias, até que se formem filhotinhos dentro deles. Todos os dias papai saia em busca de alimentos para a mamãe enquanto ela cuidava de nós no ninho. Até que um dia consegui abrir um buraquinho no ovo onde eu estava, daí para a frente fomos fazendo isso, eu e meu irmão quebramos as cascas dos nossos ovinhos, estávamos nascendo! Quando abri o meus olhos e vi a vida, eu fiquei maravilhado! Era tudo muito lindo, o céu, as árvores, e mamãe! Mamãe era linda e tinha uma plumagem sensacional. Eu olhava para mim, e só havia pele, não havia nenhuma pena sobre o meu corpo e sobre o corpo do meu irmão. Mas eu nasci um papagaio muito otimista! Eu sabia que iria ficar tão bonito quanto a mamãe e o papai, era só questão de tempo. 

Os dias foram se passando, e mais de um mês depois eu já estava com boa parte do corpo cheio de penas, já estava até começando a sonhar com os meus primeiros voos. Mas algo não estava normal, ouvi vozes humanas perto da minha árvore. Senti que ela começou a se balançar, e de repente um rosto estranho apareceu na entrada do oco onde estava a minha casinha. Eram humanos, eles levaram a mim e ao meu irmão para um lugar muito longe. Fui viver na toca dos humanos. 

No início foi muito difícil a adaptação, eles até cuidavam bem de mim e de meu irmão, e nos deram nomes que eles mesmos inventaram. Me chamaram de “Fortuna”, não sei por que, se bem que depois descobri que este nome significa “sorte”, e fui aprendendo a gostar dele e a dar atenção quando me chamavam. Já o meu irmão, eu não me lembro que nome deram a ele. 

O meu irmão não teve a mesma sorte que eu, ele nasceu com uma deficiência nas pernas, e não aprendeu a voar, acho que ele tinha outros problemas de saúde também. O fato é que ele morreu pouco tempo depois de estarmos na casa dos humanos. Eu fiquei muito triste, mas não pude evitar sua partida. 

Continuei tentando encontrar graça nos humanos e a aprender a falara língua deles. E acreditem, eu aprendi muitas palavras, aprendi a cantar músicas, e assobiar também! Eu assobio músicas que os humanos quando ouvem ficam encantados. E o mais legal ainda, eu aprendi a sorrir igualzinho aos humanos! Quando eles sorriem eu também sorrio, daí eles acham engraçado ver eu sorrindo e sorriem mais ainda, são tantas gargalhas que não acabam mais, eles só param quando sentem dor de barriga de tanto sorrirem. 

Certa vez quase morri por causa de um cachorro, eu estava tomando sol numa goiabeira, na verdade eu estava triturando as frutinhas novas com o meu bico, quando de repente um cachorro surgiu do nada e começou a latir. Eu senti muito medo dele e me descontrolei, fui parar no chão, e isso foi a pior coisa que poderia ter me acontecido, porque o cachorro me abocanhou e me mordeu. Eu comecei a grazinar bem alto, e fiz tanto barulho, que minha mãe humana ouviu e veio me salvar. Ficou um corte estranho, lá, debaixo das penas do meu traseiro, mas a minha mãe humana cuidou de mim, passou remédio e eu fiquei bom novamente. 

Assim, os anos foram passando, as coisas foram se transformando, e eu fui morar em outra casa, numa outra cidade, um lugarzinho cheio de árvores, e é o lugar onde eu ainda estou vivendo. É desse lugar que escrevo a minha história. Aqui posso voar bem alto, ir a lugares mais distantes, e depois, no final do dia, eu volto para casa. 

Eu levo uma vida até legal, talvez eu tenha algumas pequenas reclamações, mas nada tão insuportável que não dê para resistir. É que eu tenho um bico inquieto, estou sempre procurando alguma coisa para picotar, e acreditem, as árvores frutíferas de perto da minha casa sofrem com o meu bico. As goiabinhas não crescem, os cajus também não, talvez escapem alguns frutos das mangueiras, é que a safra da mangueira é muito grande e eu não consigo derrubar todos eles. Tá, eu sei que isso é feio, eu estou tentando me controlar. 

Ah, ia me esquecendo de dizer sobre uma galinha do bico bravo que tem aqui pertinho da minha casa, de vez em quando ela entra no quintal para ciscar e procurar comida, mas pensem numa galinha monstruosa de zangada! Eu caí uma vez do pé de caju e ela, pela minha falta de sorte, estava lá, ciscando com as suas garras extra gigantes. O pior não são as garras dela, mas aquele bico terrível! Ela quase acabou com a minha vida de papagaio naquele dia, foi sufoco o que eu passei viu! Eu não desejo uma galinha daquelas na vida de ninguém! Ô bicho zangado e terrível! Mas eu fui socorrido a tempo de manter a minha integridade física conservada. 

As pessoas pensam que os animais não possui sentimentos, que não sentem dores, não tem emoção, mas esse pensamento está errado. Eu sou um papagaio que sente emoção! Eu fico feliz quando revejo meus antigos cuidadores. Eu senti muita dor quando o cachorro me mordeu, e quando a galinha me beliscou. Eu chorei quando o meu irmão partiu. Eu me emocionei quando voltei a viver em liberdade e pude fazer voos mais longos, quando pude ir mais longe no horizonte. A vida de um papagaio tem valor tanto quanto a vida de um ser humano. 

Valorizem o sopro da vida de cada criatura, pois cada uma tem a sua importância na constituição do mundo. 


Rozilda Euzebio Costa 

sábado, 3 de novembro de 2018

Dona Coelha e o bolinho de fubá - conto rimado.



Nem mesmo havia amanhecido o dia, 
Dona Coelha saiu às pressas de casa, 
Queria o mais depressa comprar, 
Um bolo feito de fubá, 
Não sabia exatamente, 
Onde poderia encontrar, 
Foi batendo de porta em porta, 
Perguntando de lar em lar, 
Onde poderia comprar, 
Um bolinho de fubá. 
Mas que coisa sem jeito, 
Mas que coisa de alucinar! 
Ninguém por aquelas bandas 
Sabia lhe informar, 
Já havia caminhado um bocado, 
Tanto, ao ponto de se cansar. 
Sentou-se a beira do caminho, 
Não queria desanimar. 
Alongou bem as pernas, 
Pra melhor descansar, 
Meditou por um bom tempo, 
Pra ver se conseguia lembrar, 
Quem naquelas redondezas, 
Poderia de bom grado lhe ajudar. 
De repente passou um Tatú, 
Ela se pôs logo a perguntar, 
_ Caro Tatu, queira por gentileza me informar, 
Saberia me dizer, onde um bolo de fubá, 
Eu poderia conseguir comprar? 
Finalmente uma luz! 
Ele disse – vá à casa do amigo Tamanduá. 
Animada com a resposta, 
Dona Coelha se pôs logo a levantar, 
Queria o mais depressa possível, 
Na casa informada chegar. 
Caminhando, quase correndo, 
Nem podia acreditar, 
Que agora estava bem perto, 
Do seu bolinho de fubá. 
Já chegou batendo na porta, 
Com uma força de assustar. 
Tamanduá abriu depressa, 
Pra ver quem estava a lhe incomodar, 
Deu de cara com Dona Coelha, 
Que já começou a tagarelar, 
_ Bom dia, bom dia, 
Meu querido amigo Tamanduá! 
O senhor nem imagina 
O quanto vai poder me ajudar, 
Me disseram que o senhor, 
Tem um bolo de fubá, 
Queria lhe fazer uma proposta, 
Para o seu bolo eu comprar, 
O que me diz? O senhor vai aceitar? 
Tamanduá fechou os olhos, 
Respirou fundo antes mesmo de falar, 
Pensou em fechar a porta, 
Mas uma resposta tinha que dar. 
_ Minha senhora, olhe bem na minha pessoa, 
Acaso pensa que eu como milho? 
Não conhece a minha espécie, 
Para isso vir me perguntar! 
Se me conhecesse saberia, 
Que o meu cardápio é suculento, 
É um cupim recheado 
De insetos pra me alimentar. 
Teve sorte que hoje estou, 
De muito bom humor pra lhe falar, 
Sobre esse tal bolo desejado, 
Talvez eu possa lhe ajudar, 
Tenho uma informação muito importante, 
Se queres mesmo, este tal bolo comprar, 
Procure o Papagaio Chicó, 
Lá pras bandas dos arvoredos, 
Com certeza na casa dele, 
Deve ter muitos derivados 
Destas valiosas sementes, 
Estou acostumado a ver ele, 
Os milhos de um fazendeiro arrancar, 
Tanto Chicó, quanto seus amigos, 
Estão sempre comendo e tagarelando, 
Nas roças do Seu Edgar, 
É uma coisa meio desrespeitosa, 
Mas isto não vem ao caso lhe falar. 
Com isto finalizou a fala, 
Do senhor Tamanduá. 
Dona Coelha agradeceu, 
E correu mais que depressa, 
Para o endereço do citado Chicó. 
As horas iam se passado com ligeireza, 
O sol já estava alto pra danar, 
Não poderia sem o bolo, 
Pra sua casa voltar. 
Ao chegar ao endereço, 
De longe logo avistou, 
Era Chicó, roendo espigas a se alimentar. 
_ Seu Chicó, por caridade, 
O senhor tem um bolo de fubá? 
Pago o preço que for, 
Pra este bolo eu levar. 
O papagaio todo satisfeito, 
Respondeu que tinha o bolo, 
E que nada iria lhe custar. 
_ Mas como assim? 
O senhor não vai o bolo me cobrar? 
Tenho dinheiro e posso o bolo lhe pagar. 
_ Minha senhora não insista, 
Eu quero o bolo lhe dar, 
Como milho todo dia, 
Nas roças do seu Edgar, 
Ele não me cobra nada, 
E deixa os meus amigos eu levar, 
Como poderei este bolo lhe cobrar? 
O milho não me custou nada, 
Portanto, o bolo é seu, pode com ele ficar! 
Dona Coelha feliz da vida, 
O Papagaio agradeceu, 
Voltou correndo para o seu lar, 
Passou o resto do dia 
Comendo seu bolo de fubá, 
Comeu tanto, mas tanto, 
Até não mais se aguentar. 

Rozilda Euzebio Costa

O sonho de Rudá



Essa é a história de um menino indígena que amava a natureza e todos os bichinhos da floresta, mas ainda tinha muito espaço no seu coração para o amor. Rudá tinha um desejo no seu coraçãozinho de índio que seus pais já conheciam, mas estavam esperando o momento certo para realizar o sonho dele.
Sabem o que é? Ele queria muuuuuito ter um cachorro, para serem amigos e andarem juntos pela floresta. Ah, e também participar de brincadeiras, de pique-esconde, de quem corre mais...

A história começa assim...


Em uma aldeiazinha, no meio da floresta amazônica, existia um pequeno índio muito inteligente, ele adorava animais, e estava sempre rodeado por eles. Seu nome era Rudá! Todos na aldeia eram admiradores de Rudá, isso porque ele espalhava sorrisos para todos, sem distinção. Ele cumprimentava até os bichos da floresta! E dizem que ele compreendia a linguagem dos animais. As pessoas o consideravam um índio de sorte, por ter nascido com o dom de entender a língua dos bichos.

_ Bom dia Rudá! – Tamanduá passou todo apressado.
_ Bom dia seu Tamanduá! Porque tanta pressa? Quando vem me visitar? – perguntou.
_ Daqui a alguns dias, quiçá! – respondeu o tamanduá, já tão longe que quase não se fazia mais escutar.

Mas o menino índio não se sentia totalmente realizado, porque algo ainda lhe faltava, algo que ele sonhava muito em ter. Rudá queria ganhar um cachorro de presente, mas na aldeia ninguém poderia lhe dar, porque ainda não haviam cachorros por lá.

Um dia Rudá chegou para sua mãe e perguntou?

_ Mamãe Jaci, eu queria muito um cachorrinho para mim de presente. Se eu pedir para Tupã ele me dá? – perguntou carinhosamente para sua mãe.
_ Ô meu pequeno Rudá, não incomode Tupã com um pedido desses! Ele é muito ocupado e está sempre fazendo coisas grandes por todos nós aqui da aldeia, e fora dela também! – respondeu Jaci.
_ Eu só queria ganhar um cachorrinho para brincar comigo... – Rudá ficou um pouco triste.
_ Rudá, vou pedir Ceuci para te ajudar. – disse a mãe do indiozinho, para que ele não ficasse mais triste.

O aniversário de Rudá seria a uma semana, e Jaci queria muito que seu indiozinho ganhasse um cachorro de presente. Foi então ao marido Guaraci e lhe pediu para fazer o que fosse preciso para realizar o sonho de Rudá. O marido concordou em fazer uma viagem para tentar encontrar um cachorrinho para seu filho.

Assim, Guaraci viajou, e andou muito longe, ele desbravou toda a região a procura de um filhote de cachorro para dar de presente ao seu filho. Depois de muito cansado, chegou numa casa singela, feita de taipa e coberta de palha. Bateu palmas, para que alguém viesse atendê-lo. Lá de dentro, a mulher viu pela janela, e disse ao marido:
_ É um índio! Mas o que será que ele quer? – olhou para o esposo com surpresa. O marido saiu e foi de encontro a Guaraci:
_ O senhor, quem é? – o homem perguntou para o índio com curiosidade.
_ Boa tarde seu moço! Eu me chamo Guaraci. Eu estou à procura de um presente para o meu filho, o índio Rudá, ele ainda é uma criança. Faz dias que estou em viagem procurando um filhote de cachorro para ele, e amanhã será o aniversário dele! O senhor por acaso não teria um filhote de cachorro? Podemos trocar por estes colares que eu mesmo fiz, são muito valiosos! - disse o índio, já cansado de tanto procurar um cachorro.
_ Ah, mas se é só isso que o senhor quer, venha cá, poderá escolher da ninhada da minha cadela Piaba. Ela pariu há um mês, tem tanto filhote! O senhor poderá levar uns três! Tem cachorro de toda cor, tem manchado, branquinho, e até amarelado! – disse o homem. 
_ Vou querer somente um. E muito obrigado pela bondade. – disse Guaraci. Os dois foram até a ninhada e ele escolheu um macho, todo manchado.

Na aldeia Jaci esperava por Guaraci na frente da cabana, e quando viu o marido se aproximar, nem acreditou no que viu, era o presente de Rudá! Gritou pelo filho numa felicidade sem tamanho e sem media, era como se ela é que tivesse ganhando um presente! É que mãe é assim mesmo, fica feliz com as felicidade dos filhos. Jaci chamou por Rudá gritando alto, que toda a floresta ouviu:
_ RUDÁ! RUDÁAAA! – Jaci queria entregar logo o presente.
De repente, Rudá sai da floresta e entra no terreiro da aldeia acompanhado por vários bichos, muitos mesmo, parece que todos eles queriam ver o presente do amigo Rudá. E meio de todos eles, estava o Tamanduá!

Quando Rudá recebeu o cachorrinho nos braços, ficou muito emocionado, e chorou, olhava para ele sem acreditar que estava realizando o seu sonho.
_ Agora você precisa dar um nome para o filhotinho! – disse a mãe.
_ Você vai se chamar Flop! Você será o meu amigo Flop, e nós vamos brincar muito na floresta, junto com meus outros amigos animais, certo Flop? – disse, olhando o cachorrinho e o contemplando.
_ Mamãe Jaci, temos que agradecer a Ceuci! – lembrou o indiozinho.
_ Vamos agradecer sim. – respondeu a mãe.

Este conto destaca a importância e o valor que os animais tem na vida dos humanos, principalmente na vida das crianças. É preciso tratar os animais com amor e respeito, pois eles também são filhos de Deus, são vidas muito valorosas. Não se deve maltratar nenhum animal. Existem animais que são as únicas companhias de alguns humanos, e eles os ensinam o valor do amor, o valor do companheirismo e da lealdade.
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Quem são?

Jaci - A lua.
Guaraci - O sol.
Rudá - O amor.
CeuciDeusa indígena, considerada protetora das lavouras e casas construídas nas suas proximidades.
Tupã O Trovão, mito indígena, cultuado como entidade suprema.


Rozilda Euzebio Costa

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Semeador


Semeador

E assim cheguei, 
no mundo desconhecido,
cheguei infantil,
ingênuo,
sonhador,
contando sonhos,
preparando terreno,
espalhando sementes,
e ao céu pedindo luz,
e a vida me ensinou:
não há árvore sem grão,
não ha fruto sem árvore,
prepare!
Semeie!
Cuide!
E ela crescerá,
e frutificará,
e compreendi:
sou eu o semeador.

Rozilda Euzebio Costa

Cinzas da vida

  Um homem de vida cinza e vazia, perdido em pensamentos que também estão cinzas, aqui estou eu na palidez da vida, olhando para esse tempo ...