O Alto do Pingo de Amor
(Inspirado nos romances de cordéis)
Num reinado muito distante, localizado bem além dos confins da Terra, existiam duas famílias amigas que viviam muito próximas uma da outra. Eram separadas apenas por um pequeno riacho, considerado a divisa entre suas terras.
Uma das famílias possuía duas belas filhas. A outra, apenas um filho. E este filho carregava o peso de um grande segredo: ele era encantado! Durante o dia se vestia como um asno, e a noite se transformava em um belo príncipe. Mas ninguém poderia saber do que se passava com o príncipe, era um segredo que o jovem carregava consigo, e que somente poderia ser revelado para a jovem que viesse a se tornar sua esposa. E ainda, o segredo seria revelado somente após o casamento. Nem mesmo sua mãe sabia que o filho era um príncipe. Ela o via apenas como o menininho que ela havia encontrado em uma cesta abandonada na porta de sua casa. Era um grande segredo do qual ninguém sabia senão ele próprio. Somente ele, ao crescer, se recordaria de sua sina. Ele era um príncipe de outro mundo que sofrera a maldição de uma bruxa má, que desejava se casar com ele, mas ele a rejeitou. Ela então o enfeitiçou, fazendo com ele se transformasse em um bebê. Levou-o até a Terra e o abandonou de frente à casa de uma mulher bondosa, que tivesse muito amor no coração para recebê-lo como filho e ama-lo apesar de suas transformações. Logo após a sua maldade, ela assumiu o reinado, matando toda a família do príncipe, assumindo o trono de rainha.
A bruxa má não quis destruí-lo, mas o castigou por ele não amá-la como ela desejava. Ela determinara em sua maldição que, durante o dia ele se pareceria com um asno, e a noite tomaria de volta sua verdadeira aparência. E tão logo se tornasse um jovem, se recordaria de seu reinado e de sua origem de príncipe. E isto seria para ele maior sofrimento, porque não poderia voltar para o seu reinado, a não ser que, uma jovem apaixonada descobrisse o seu encanto.
A sua aparência se transformaria quando ele começasse a crescer. Durante o dia se pareceria com um asno, e durante as noites tomava de volta sua aparência real de príncipe.
No entanto, o menino tinha um destino para cumprir, um destino que ninguém jamais imaginaria. Desde que fora transformado em um bebê, o garotinho já carregava consigo o peso deste encanto de uma bruxa má. A mãe adotiva acreditava que ele era apenas um menino normal como qualquer outro, ela não percebia que a noite ele se transformava em um príncipe, cuja beleza era incomparável. Olhar de mãe não identifica certas peculiaridades em seus filhos.
O fato é que, o rapaz que durante o dia tinha a aparência de um asno, cresceu e desejou se casar. Ele se apaixonou pela filha mais jovem da família que vivia do outro lado do rio, mas não teve a coragem de falar para pais dela.
A mãe do jovem asno percebendo o seu desejo e já sabendo que nenhuma jovem daquela região iria querer se casar com ele por causa de sua aparência de asno, que era somente durante o dia mas ninguém sabia disso, resolvera conversar com os pais da jovem. Foi até lá e pediu a mão da filha mais velha em casamento para o seu filho. A jovem, mesmo contrariada, acatou o acordo entre as duas famílias. Casar-se-ia com o asno mesmo contra a sua vontade.
Assim, tudo foi acertado, e os dois se casaram em uma grande cerimônia matutina.
Porém, logo na primeira noite de núpcias o príncipe ficou viúvo. Sua esposa sofreu um infarto súbito e morreu do coração logo depois que descobriu que o seu marido era o homem mais lindo que ela já havia visto em toda a sua vida. Ao descobrir o grande segredo do asno, a moça não resistiu e morreu.
Todos ficaram muito tristes com a morte da jovem esposa, menos o jovem asno, é claro! Pois ele não amava aquela jovem, e sim, a sua irmã mais nova. Ninguém sequer desconfiou do que poderia ter acontecido naquela noite.
Os dias se passaram e novamente, o jovem interessado que estava pela irmã mais jovem de sua finada esposa, procurou sua mãe e lhe pediu para que fosse conversar com os pais dela e lhes pedisse sua mão em casamento para ele.
A mãe um tanto ainda assustada com a morte de sua primeira nora resolvera então acatar o pedido de seu filho. Foi até aquela família e pediu a mão da outra jovem em casamento para o seu filho asno. Os pais dela, mesmo com muito receio, resolveu dar a filha em casamento para o jovem asno que se dizia estar apaixonado, porque sua filha disse que também o amava, ela não se importava com a sua aparência de asno.
Dentro de poucos dias foi realizado o segundo casamento do jovem. Novamente a cerimônia se deu pela manhã. Fora uma festa lindíssima e regada de muita alegria, pois o jovem asno estava se casando com a mulher que de fato ele amava.
Com tamanha felicidade, o asno se casou com sua jovem amada, e já na primeira noite de núpcias, o príncipe se despiu daquela veste horrível que o deixava com a aparência de um asno. Tão logo a jovem esposa o viu, percebeu que seu marido era um lindo príncipe e caiu ainda mais de amores por ele. Já o amava, mas ficou perdidamente enlouquecida de amor pelo marido. Mas o marido pediu-lhe o maior sigilo quanto ao seu segredo. Somente ela, a esposa, poderia conhecer seu segredo, e mais ninguém! Ele já não desejava mais retornar ao seu reinado. Ela nunca deveria dizer a ninguém quem ele era de fato: um príncipe! Se ela o fizesse, o encanto da bruxa o levaria de volta ao seu reinado. Essa era a condição de ele voltar; ter o seu segredo revelado por uma jovem que o amasse profundamente.
Logo que amanheceu o dia, a jovem, feliz por saber que seu marido era um príncipe encantado, não resistiu e acabou contando a toda a família sobre a beleza do príncipe e sua origem real.
O príncipe sofreu tão grande decepção com a revelação da esposa, que teve que voltar ao mundo do qual pertencia. Para o seu maior sofrimento, antes de ser transportado para o seu reino encantado, disse estas palavras com muita mágoa, para a jovem esposa:
- Oh esposa cruel! Você quebrou o meu encanto! Contou a todos o meu segredo! Agora vou ter que ir embora para muito longe! Se quiser algum dia me ver novamente, terá que ir me procurar no Alto do Pingo de Amor.
E falando isso, aquele jovem asno desapareceu no mesmo instante, e ninguém mais consegui vê-lo.
A moça entrou em desespero, pois não poderia mais viver sem o seu príncipe. Decidiu imediatamente ir atrás dele, nesse tal “Alto do Pingo de Amor”.
Logo que o príncipe desaparecera, a moça saiu a sua procura por toda aquela região. Precisava encontrar o lugar para onde ele havia sido transportado. Viajou noites e dias. Visitou todos os cantos da Terra, e nada de encontrar o seu esposo.
O tempo foi passando, mas ela não desistia nunca de procura-lo. Depois de ter peregrinado por toda a Terra, resolveu ir até a casa da Lua, pra ver se, talvez, fosse lá o reinado do Alto do Pingo de Amor.
Ao chegar avistou uma casa enorme, muito bonita e totalmente diferente das construções que já havia visto em sua vida.
Bateu na porta, e uma senhora a atendeu com presteza. Ela então perguntou para aquela senhora se acaso sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor.
Para sua decepção aquela mulher não sabia, mas lhe pediu para que aguardasse até chegar sua filha, a Lua. Talvez a Lua soubesse onde ficava o tal lugar, pois durante as noites ela viajava por toda a Terra e por outros mundos. Mas antes, precisava saber se ela estava disposta a recebê-la.
Disse a mãe da Lua:
- Olha Peregrina, se vista com este casaco e esconda-se detrás desta porta, pois quando a minha filha Lua chega faz um frio enorme! Você poderá não suportar!
Não demorou muito e a Lua chegou. Sua mãe foi falar-lhe:
- Minha filha, se viesse aqui uma peregrina, vinda da Terra, você a receberia?
- Mas é claro que sim minha mãe! A Terra é um lugar muito longe! Portanto eu a receberia sem nenhum problema.
A senhora então mandou que a jovem moça saísse de detrás da porta e fosse falar com sua filha, a Lua.
Para tristeza da moça, a Lua também não sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor. Em compensação pela visita, lhe deu uma linda toalha de mesa toda feita em ouro. Seu brilho era tão intenso que poderia clarear todo o ambiente onde ela estivesse estendida.
A Lua incentivou a peregrina moça a procurar o Sol. Poderia ser que o Sol soubesse onde ficaria esse tal lugar, pois ele conhecia e visitava até o menor canto da Terra – disse a Lua.
A moça peregrina agradeceu o presente e seguiu viagem. Viajou por dias e noites, passou fome, sede, e frio, e sofreu todo tipo de imprevistos.
Enfim, depois de muito caminhar e peregrinar, ela chegou à casa do Sol. Também ali fora atendida por uma velha senhora de aparência alegre, e muito simpática, que logo a fez entrar.
Na casa do Sol a moça peregrina perguntou àquela senhora, se ela sabia onde ficava o Alto do Pingo de Amor. Para sua decepção, ela também não sabia! Mas pediu-lhe que aguardasse seu filho Sol chegar de sua jornada de trabalho.
- Veja bem - disse a senhora para a peregrina - proteja-se, atrás desta porta, pois o meu filho quando chega tráZ com ele um calor muito grande! Você talvez não o suporte.
Assim fez a moça conforme lhe fora instruído. Foi para detrás da porta, para esperar a chegada do Sol.
A jovem tinha muitas esperanças de que o Sol pudesse lhe ajudar a encontrar o seu príncipe encantado, que agora, já não se transformava mais em um asno durante os dias, pois o seu encanto havia sido quebrado quando ela contara para todos quem realmente era o seu marido. Um príncipe de uma beleza tão incomparável, que na Terra nunca houve beleza que se comparasse.
O Sol finalmente chegou. Parecia que trazia com ele as chamas de uma fornalha ardente. A sala foi tomada por um calor terrível. Foi preciso esperar um pouco até que o clima do ambiente se estabilizasse.
Tão logo se tornou possível, a mãe do Sol foi lhe falar:
- Meu filho, se viesse aqui uma peregrina vinda da Terra, você a receberia?
- Mas é claro que eu a recebo minha mãe! É quase impossível vir alguém da Terra até aqui! Se vier eu recebo com muito prazer!
A senhora então chamou a moça que estava aguardando atrás da porta para vir falar com o Sol.
Depois de perguntar ao Sol sobre o reinado, Alto do Pingo de Amor, e o ouvir dizer que também não sabia onde ficava esse lugar, o Sol lhe presenteou com uma linda travessa toda trabalhada em ouro puro e cravejada de pedras preciosas. A travessa brilhava tanto que seria capaz de clarear toda uma casa com o seu brilho.
O Sol também lhe disse:
- Procure o meu amigo Vento. Ele anda muito mais do que eu! Tem visitado lugares que eu ainda não fui. Quem sabe o Vento poderá saber onde fica o Alto do Pingo de Amor!
Mais uma vez, a jovem peregrina não desistiu de buscar o seu marido príncipe. Precisava encontrar o Alto do Pingo de Amor, pois era para lá que seu esposo havia sido transportado quando a magia de seu encanto foi quebrada.
A jovem sentia tanta tristeza por ter perdido o príncipe, pois ela o amava com todas as suas forças, e não iria desistir de seu grande amor, nem que viesse a morrer de tanto peregrinar em busca dele.
A peregrina viajou novamente por dias e noites em busca da casa do Vento. Tinha esperanças de que o Vento soubesse lhe indicar o caminho para o Alto do Pingo de Amor!
Caminhou tanto que já havia perdido grande parte de sua força física. E já quase não suportando mais caminhar, avistou a casa do Vento.
Ao chegar, encontrou uma velhinha, que alegremente veio ao seu encontro:
- Peregrina! De onde vens?
- Oh bondosa senhora! Eu venho da Terra! Estou procurando o meu amado príncipe!
- Mas aqui não tem nenhum príncipe Peregrina! Aqui neste lugar, vive somente eu e o meu filho Vento!
- A senhora não sabe onde fica o Alto do Pingo de Amor?
- Não querida. Eu nunca ouvi falar de tal lugar!
De tristeza a jovem quase desfaleceu. De seus olhos, já profundos de tanto sofrer a procura de seu amor, brotaram lágrimas, que escorreram através de seu rosto magro e cansado.
Aquela bondosa senhora teve piedade da moça peregrina, e disse a ela:
- Mas, Peregrina, você pode esperar o meu filho chegar de sua jornada de trabalho. Talvez ele possa te ajudar! Sabe, o meu filho Vento é incontrolável e desbravador! Onde houver uma brecha, ali ele passa com certeza! Quem sabe ele já tenha passado por este reinado que procuras?! Mas veja bem; se esconda detrás desta porta de ferro, por segurança, pois meu filho quando chega vem derrubando e arrancando tudo que encontra pelo caminho. O meu filho tem uma força incrível, você nem imagina o quanto ele é forte!
Tão logo o Vento chegou e se acalmou de sua agitação, sua mãe foi lhe falar:
- Meu filho, se viesse aqui uma peregrina vinda da Terra, você a receberia?
- Com todo prazer minha mãe! Pois pra chegar aqui é muito difícil! Quem é esta que de tão longe veio? Arriscando-se por caminhos perigosos e distantes?
A moça então saiu de detrás da porta e foi conversar com o Vento, já lhe perguntando:
- Amigo Vento, acaso tu sabes dizer-me onde fica o Alto do Pingo de Amor?
- Alto do Pingo de Amor? É claro que eu sei!! Conheço também toda a história que ali se conta. Acabei de passar por lá! Rodeei todo o Castelo daquele lugar. Lá tem uma rainha muito malvada. Dizem que antigamente, um Rei bondoso ali havia. O Rei um dia morreu de velhice, é claro! Seu único filho, o príncipe herdeiro, depois de várias decepções amorosas, desapareceu de seu reiunado da noite para o dia! Então, tal reinado abandonado foi invadido por uma Rainha muito má! E agora, dizem que, assim, do nada, o tal príncipe voltou! Porém, a tal Rainha má o escravizou e fez dele seu noivo. Estão preparando tudo para o casamento dela com este príncipe que se tornara seu prisioneiro. O casamento se dará em três dias. Passei a poucas horas por lá, e quando passei, fiz a maior bagunça só para passar raiva em uma serva malvada que faz tudo que manda sua rainha má.
- Por favor, amigo Vento! Me leve até o Alto do Pingo de Amor! Por favor! Este príncipe que se tornou prisioneiro desta rainha má é o meu príncipe! Nós nos casamos e...
Depois de um breve relato ao Vento, sobre o que acontecera entre ela e o príncipe, o Vento, comovido, decidiu que iria ajudá-la.
O Vento também a presenteou com um lindo colar de ouro com grandes pedras de brilhantes. O colar era capaz de brilhar a uma distância jamais alcançada por nenhuma outra luz que não fosse à luz do Sol. A joia era mais valiosa que todos os outros presentes que ela havia ganhado da Lua e do Sol.
O Vento então pediu que a jovem peregrina subisse em suas costas e se segurasse firme. Depois de se certificar que a moça estava segura, o vento a levou ao Alto do Pingo de Amor.
Já era tarde quando chegaram ao Alto do Pingo de Amor. O Vento a depositou no chão com segurança e despediu-se dela, desejando-lhe boa sorte no reencontro com seu amado.
A jovem logo avistou a serva má e aproximando-se dela, lhe perguntou sobre o príncipe.
A serva lhe disse que o príncipe só poderia receber alguém após seu casamento ser consumado com a Rainha. Somente ela, a Rainha, poderia dar-lhe tal permissão. No entanto lhe advertiu que isso seria algo quase impossível, pois ela o mantinha cativo.
Já escurecia, e mesmo com tanta severidade, a serva má foi até a Rainha e pediu-lhe para deixar que à moça peregrina se acampasse em um velho galinheiro abandonado, que ficava em frente ao castelo. Era ali que ela deveria se instalar para passar a noite.
A moça peregrina limpou bem aquele lugar sujo, e estendeu nele sua toalha de ouro.
Não demorou muito e, aquela toalha com seu brilho intenso, clareou tudo à sua volta. A serva má, que observava tudo à distância, do alto de uma janela do castelo, ao ver toda aquela luminosidade causada por uma toalha de ouro, correu assombrada até a sua rainha e lhe disse:
- Senhora! Senhora! A Peregrina tem uma toalha de ouro que brilha sem igual! Porque a senhora não compra a toalha dela para usa-la em seu casamento com o príncipe?
- Vai até lá então! Diga a ela que eu pago o preço que ela pedir pela toalha!
A serva da rainha correu até a peregrina e propôs o negócio, mas a moça com o intento de ver o seu príncipe, teve logo uma ideia:
- Diga a sua rainha que eu dou a toalha para ela de presente, mas em troca ela terá que me deixar dormir esta noite debaixo da cama do príncipe!
A serva voltou correndo até a sua rainha e transmitiu-lhe a informação. Pensativa, a rainha não queria ceder, mas a serva astuta teve uma ideia:
- A senhora pode fazer o negócio com a peregrina, basta dar um chá que seja forte o suficiente para fazer o príncipe dormir um sono pesado! Assim a peregrina não conseguirá nem mesmo conversar com ele!
- Então vá! Vá logo! Diga à peregrina que eu a deixo dormir debaixo da cama do príncipe esta noite em troca da toalha de ouro.
A moça peregrina ficou cheia de esperança, pois depois de tanto tempo peregrinando por todos os cantos da Terra, e de ter estado até em outros mundos, depois de ter passado pela casa da Lua e do Sol, pela casa do Vento, agora finalmente, ela tem a chance de reencontrar o seu adorado príncipe. Agora ela poderia reencontrar o amor de sua vida, aquele jovem por quem estava disposta a morrer se fosse preciso.
O quarto do príncipe era guardado por dois soldados da Rainha, para que ele não fugisse antes do casamento.
Logo que o príncipe adormeceu, a serva conduziu a peregrina até seu quarto e a deixou se acomodar debaixo da cama. Tão logo a serva saiu do quarto do príncipe, a moça começou a chamar por ele, com os seguintes dizeres:
- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho!
Por várias vezes ela o chamara mas ele não acordava, pois estava sedado com o chá que lhe haviam preparado para que dormisse durante toda a noite e não percebesse a presença de sua amada peregrina.
Por toda a noite a moça chamou por ele, mas de nada adiantou. Antes que o dia amanhecesse totalmente, a serva veio ao quarto, a mando de sua rainha, para conduzir a peregrina para fora. Esta pediu para ficar mais um dia, pois estava se sentindo muito indisposta para ir embora. Foi concedido pela rainha, que ela passasse mais uma noite no reinado.
O dia se passou muito rápido e por mais que a moça peregrina procurasse ver seu príncipe, de nada adiantaria. Ele estava sendo mantido prisioneiro e não poderia sair de seus aposentos por ordem da Rainha má.
Ao anoitecer, a peregrina resolveu que usaria sua travessa de ouro. Desembrulhou-a e colocou no chão. Logo clareou tudo em volta do castelo, e mais uma vez a serva má observava da janela todo o movimento no velho galinheiro. Ao ver aquela travessa com brilho enorme, correu até a sua rainha:
- Senhora! Senhora! A peregrina tem uma travessa de ouro que brilha sem igual! Todo o castelo está iluminado em volta por causa do brilho da tal travessa! Porque a senhora não a compra para usa-la em seu casamento com o príncipe?
- Vai até lá então! Diga a ela que eu pago o preço que ela pedir pela tal travessa!
Da mesma forma que fizera com a toalha, a jovem propôs dormir em baixo da cama do príncipe outra noite. Em troca daria de presente a travessa de ouro para a Rainha.
A Rainha concordou sem nenhum problema, pois tinha mento o mesmo intento da noite anterior; daria o chá sedativo ao príncipe, assim, ele dormiria um sono pesado durante toda a noite e não perceberia a presença da tal peregrina.
Mais uma noite em baixo da cama do príncipe, e a moça peregrina chamava por seu burrinho desesperadamente. Aquele jovem que agora já não se transformava mais em um asno durante os dias, mas se tornara para sempre aquele belo príncipe que lhe aparecera na primeira noite em que dormiram juntos, logo após o seu casamento como ele.
O encanto havia sido quebrado, e o príncipe também vivia uma punição por causa do erro de sua amada; tornara prisioneiro da rainha má, e deveria se casar com ela dentro de poucos dias. Viveria no Alto do Pingo de Amor para sempre, sendo marido e escravo de sua própria esposa má.
Ali debaixo da cama do príncipe, a moça peregrina começou a chamar por seu amor:
- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho!
E assim ela o chamou durante toda a noite. Mas seu amor não podia lhe ouvir! Ele estava adormecido devido ao chá que lhe deram para dormir.
Antes de amanhecer o dia a serva novamente retirou a moça dos aposentos do príncipe, mas os soldados que observavam tudo ficaram desconfiados de toda aquela trama. Também se sentiram comovidos pelos apelos da jovem peregrina. Então esperaram o príncipe acordar e foram até ele, perguntaram se ele acaso estava ouvindo uma voz que o chamava durante toda a noite.
- O senhor não viu nada estranho em seu quarto e nem ouviu alguém chama-lo durante a noite?
- Não! Conte-me depressa o que está acontecendo!
E a pedido do príncipe, os soldados lhe contaram em detalhes o que se passava.
Após todo o relato dos soldados, o príncipe decidiu que naquela noite fingiria tomar o chá, para ver se ouviria a tal voz debaixo de sua cama.
A moça peregrina já se sentia muito triste e quase sem esperanças. Agora, só lhe restava o colar de ouro com pedras de brilhantes, presente recebido do amigo Vento. Tentaria despertar seu príncipe pela última vez. Agarrava-se a esta última esperança.
O dia passou sem nenhuma novidade, e a noite, depois de ter implorado a serva para convencer a rainha a deixa-la partir somente no dia seguinte, a jovem colocou seu colar no pescoço, e logo todo o castelo foi iluminado. O brilho era tão intenso, que adentrava as janelas e portas do castelo clareando tudo, como se fossem os raios do sol.
A rainha vendo valorosa joia não se conteve, mandou sua serva até a peregrina para propor a compra do colar, custasse o que custasse! Ela o usaria no dia de seu casamento com o príncipe, pois, portadora de uma grande vaidade, desejava ficar radiante de beleza diante dos olhos de todos no reinado.
A serva cumpriu as ordens de sua rainha:
- Peregrina! Peregrina! Minha rainha quer comprar este colar seja qual for o valor!
- Diga a sua rainha que eu dou este colar a ela, mas ela terá que me deixar dormir uma última noite debaixo da cama do príncipe.
A rainha concordou logo de cara, pois daria o chá ao príncipe como fizera nas duas noites anteriores. Não haveria nenhum problema. Antes que o dia amanhecesse retiraria a peregrina do quarto do príncipe e a mandaria embora do reinado. Nunca mais ela veria o príncipe, assim pensava.
A serva adentrou o quarto do príncipe com a xícara de chá e entregou para ele beber, mas ele, disfarçando, fez que bebia e o derramou sem que ela percebesse.
Depois de algum tempo, ao observar que o príncipe parecia estar dormindo, a serva conduziu a moça peregrina para debaixo da cama do príncipe, saindo logo em seguida.
A moça logo começou a chamar por seu amor:
- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho!
A peregrina o chamou por duas vezes. Naquela noite, ele escutou seu chamado desde a primeira vez, mas resolveu aguardar para ter a certeza de que aquela voz era a voz de sua amada que havia se tornado uma peregrina para ir em busca de seu amado.
- Burrinho! Burrinho! Burrinho! Tu me disseste que se eu quisesse te ver, viesse ao Alto do Pingo de Amor, aqui estou Burrinho, Burrinho!
Com tamanha felicidade o príncipe saltou-se de seu leito e levantando-se retirou sua amada de debaixo da cama.
A saudade de ambos era tão grande que se abraçavam e se beijavam entre lágrimas. O príncipe a beijou longamente e disse-lhe que a amava com todo o seu coração. Combinaram de que nunca mais se separariam. Ele então a perdoou por tê-lo desencantado e com isso tê-lo tornado prisioneiro da rainha má.
Antes de amanhecer o dia a serva malvada veio buscar a peregrina, mas deu de cara com ela nos braços do príncipe. Seu desespero foi tão grande que ao descer as escadas correndo tropeçou e saiu rolando, derrubando também a rainha má que já estava subindo os degraus da escada para ir ver o príncipe.
As duas não resistiram à queda e morreram. Os soldados que guardavam o príncipe se tornaram seus amigos e súditos.
O príncipe se tornou o Rei daquele lugar que sempre fora o seu reinado. E sua amada, a jovem peregrina, tornou-se a Rainha. Mandaram buscar suas famílias naquele lugar longínquo da Terra, para viverem com eles no Alto do Pingo de Amor.
Os dois tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre.
Rozilda Euzebio Costa
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