Era
para ser uma daquelas missões intergalácticas vitoriosas, onde pudéssemos levar
auxílio a planetas que estivessem necessitando de ajuda. Tínhamos as
ferramentas necessárias para executar a nossa colaboração, levando o nosso auxílio
para ajudar milhares de seres pelos universos e galáxias.
Saímos
do Planeta Akau, da Galáxia Phyront no Universo de Kosik, com destino a Terra na
Via Láctea, nossa nave e a nave socorrista. Nunca vamos a uma missão sem ela. Por algum tempo permanecemos na Constelação de Órion, auxiliando seres de outras
galáxias que tiveram problemas técnicos em suas naves enquanto estavam em
viagem estelar. Há em Órion, um ponto de parada de naves em viagens estelares.
É como uma grande estação onde se pode descer, fazer revisão nas naves e também
descansar para repor as energias. Em Órion se encontra um dos pontos mais
destacados de auxílio a viajantes estelares dos universos próximos, com tecnologias
muito avançadas.
Depois
que saímos de Órion, alcançamos alta velocidade e avançamos muito, parecia tudo
normal em nossa viagem missionária intergaláctica.
No
entanto, algo na missão falhou, talvez nossa nave não estivesse em condições
apropriadas para a grande viagem pela Via Láctea. Nosso destino era o Planeta
Terra, e conseguimos avançar bem pelo Sistema Solar, atravessamos com sucesso todas
as camadas da atmosfera da Terra, mas no momento do pouso, de repente, perdemos
o controle total da nave, o piloto automático parou e todos os botões de
controle entraram em conflito, nada funcionou no painel da nave. Caímos
bruscamente e houve uma grande explosão...
Não
me lembro de muita coisa, mas tenho um lapso de memória do momento do nosso
resgate pela nave estelar socorrista que sempre nos acompanhou em nossas missões.
Eu gritava, mas eles não me ouviam, eu tinha caído em um distrito habitado por
humanos, a uma distância de mais de um quilômetro terreno. Os socorristas não
me escutavam, seus equipamentos de localização não me localizaram. Embora eu fizesse
um esforço grande para alerta-los de que eu estava ali, era sem sucesso. Tentava
usar meu localizador de pulso para sinalizar a eles que estava vivo esperando
pelo socorro, mas o localizador entrou em conflito também, e não emitia os
sinais precisos para que a equipe da nave me localizasse.
O
tempo passava, e eles, preocupados com a possibilidade de serem vistos pelos
humanos, e sem saber ao certo como iriam ser vistos e recebidos, decidiram
partir, me deixando para trás.
De
longe eu observava meu pai entrando na nave socorrista, os outros tripulantes foram
salvos também, mas eu fiquei para trás, fiquei na Terra...
O
sol começava a despontar e os terráqueos começaram a trafegar próximo de onde eu
estava, mas era interessante, eles não me viam, mas eu os via e ouvia! Os
animais me sentiam, sentiam a minha presença.
Passei
anos terrenos treinando para uma manifestação com os humanos, mas não obtive
sucesso. Eu era um foco de luz, apenas um foco de luz na Terra, o que os
humanos chamam de espíritos e de visões de outro mundo. No impacto da minha
nave no chão da Terra, meu feixe de luz de vida saiu do meu corpo. Fiquei
vivendo como um andarilho, me alimentando de energias cósmicas trazidas pelos
orvalhos da madrugada. Ninguém nota isso, mas os orvalhos estão repletos de
energias cósmicas.
Fui
vivendo atordoadamente como feixe de luz, até que um dia, uma cadela estava para
ter filhotes, então pensei, porquê não? Posso me tornar um cãozinho e assim viver
visível entre os humanos! Eu tinha apenas alguns segundos para mergulhar no
túnel que a luz de vida se utiliza e entrar em algum daqueles cãezinhos que
iria nascer naquele momento. Fiquei na expectativa para a grande tentativa. Seria
talvez um golpe de sorte, conseguir adentrar como espirito vivente no filhote.
Assim
se deu, fui com tudo no momento do nascimento do templo canino. Um grande
clarão inundou tudo em volta, eu perdi por um instante todos os meus sentidos
de ser de Akau.
Certamente
após aquele instante de imersão no corpo de um cão, eu deixaria parte de minhas
memórias para trás, já que, a estrutura mental de um cão não suportaria as minhas
atividades mentais como um ser diferente em composição mental.
Alguns
meses terrenos depois, eu estava vivendo como um cãozinho, algumas de minhas lembranças
iam e viam como flashes esporádicos. Eu não sabia me comportar como um cão
normal, eu era extremamente rebelde, queria morder todo mundo, como se todos
aqueles humanos tivessem culpa do que aconteceu comigo. Eu nunca fui mau na
minha vida antes de me tornar um cão, pelo contrário, eu sempre tinha um
sentimento de solidariedade e fraternidade com todos os seres vivos.
Os
meus maiores conflitos na minha vida como um cão, eram os motoqueiros,
bicicleteiros e alguns carros, eles me incitavam um sentimento de raiva e de
ira, talvez porque no meu subconsciente de ser intergaláctico, eu sabia que
tinha sido deixado para trás naquela missão. Eu não me conformava de ter sido
deixado na Terra. Constantemente me vinham os flashes da partida da nave
socorrista, me deixando sozinho na Terra, sem ninguém do meu planeta ali
comigo.
Todos
aqueles filhotes nascidos naquela noite foram abandonados na rua, e passaram
cada um a se virar à sua maneira para sobreviver. Eu cresci na rua. Era
alimentado pelos humanos que viviam na vizinhança de onde fomos abandonados,
todos aqueles humanos de certa forma me ajudavam a sobreviver naquele ambiente
que não era o meu ambiente, naquela vida de cão que não era a minha vida. Os
outros cãezinhos nascidos naquela noite não sei que rumo tomaram.
Quando
eu estava dormindo, eu tinha sonhos com o meu Planeta e com a minha família. Sonhava
com as viagens em missões junto ao meu pai, mas quando acordava, me sentia
angustiado, e uma dor enorme tomava conta de mim. Mas eu era um cão e não sabia
identificar tais sensações como sendo a falta incontrolável de minha família e
do meu verdadeiro lar.
Nesse
impasse, vivendo de memórias vagas no corpo de um cão, muitos anos se passaram.
Eu diria que vivi, talvez, uns sete ou oito anos humanos como um cão, naquela
vida rebelde, mas ao mesmo tempo, doce, com o carinho que recebia de alguns
humanos.
Havia
um humano terráqueo em especial, que começou a construir uma casa em um pedaço
de terreno na rua que eu morava. Eu gostei dele, sabe! Era cantor e me parecia
ter um espírito milenar, eu via isso nos olhos dele. Ele me tratava bem. Comecei
a me tornar seu amigo, vigiei a construção dele por meses, até que ele terminou
de construir e se mudou para lá com sua companheira. Ele tinha outro cãozinho,
uma miniatura de cão, eu era bem maior que o outro cãozinho. Ficamos amigos, eu
e o cãozinho, mas o pequenininho era fujão, quando o humano abria o portão ele
saia em disparada, eu estava sempre tentando defender ele dos outros cães da
rua.
Depois
que o humano mudou para a construção nova na minha rua, ele e sua companheira
passaram a me alimentar todos os dias. Muitas vezes eu dormia na área da casa
deles. Eu também fazia buracos no quintal deles, o humano cantor ficava meio aborrecido comigo...
Meio nada! Ele brigava muito, mas eu nem me importava com as brigas dele, lá eu
me sentia em um lar.
Depois
de alguns anos eles tiveram uma filhinha, e as coisas seguiram um ritmo normal
por muito tempo.
Toda
aquela vida não era assim tão normal para mim, e quando eu estava em meus extremos
conflitos, eu ficava transtornado e queria morder as pessoas que passavam na
rua. Pobre dos carteiros! Eu sempre queria morder eles, não sei o porquê dessa
raiva dos carteiros.
Um
dia mordi um humano malvado e ele tentou me matar, me deu uma facada e cortou
uma de minhas orelhas... Eu quase morri, sangrei muito e senti dores
incontroláveis pelo meu corpo. Os humanos da rua se juntaram e me levaram a uma
clínica, pagaram o meu tratamento. Fiquei internado por quase uma semana,
depois voltei para casa e fui cuidado pelo humano cantor e sua companheira. Eles
me deixaram na área da casa deles, me davam os remédios e cuidavam de mim
enquanto minha saúde de cão era recuperada.
Faltou-lhes
dizer que, enquanto estive à beira da morte internado na Clínica, eu sonhava
constantemente com minha família no Planeta Akau. Eu via meu pai e minha mãe ao
redor do leito me olhando e sorrindo para mim. Eu tinha dúvidas se era mesmo um
sonho ou realidade projetada. Em nosso Planeta, projetamos realidades a milhões
de anos luz, como essas apresentações ao vivo que fazem na Terra, só que em Akau,
temos tecnologia que avançam galáxias distantes, adentram outros universos e
chegam a um destino tecnologicamente programado, projetando realidades a
milhões de anos luz de distância.
Mais
de um ano terráqueo se passou depois de minha quase morte como um cão. Eu já
estava até me esquecendo de minha verdadeira vida fora daquela vida de cão que
levava, já estava habituado a viver como um cão, comendo restos de comida nos lixeiros
das ruas e dormindo tranquilamente pelas calçadas.
Porém,
a vida de um cão tem a duração bem inferior que a vida dos humanos. E um dia,
comecei a me sentir perturbado e já não me via inteiro como um cão.
Comecei
a ter visões estranhas a noite e sentimentos de confusão, eu não as compreendia.
Por noites seguidas vi um veículo todo iluminado passando perto de mim, como se
estivesse em outra dimensão, mas, no entanto, eu podia vê-lo. Era uma nave
espacial, mas eu não sabia mais o que era uma nave, como era uma nave. Enquanto
cão, havia me esquecido dos veículos espaciais e das grandes naves intergalácticas
todas iluminadas. Me senti assombrado quando comecei a ver tal nave que, todos
os dias terrenos, depois da meia noite, ela passava pela rua que eu morava. Eu
via os rostos de alguns tripulantes sendo projetados através de hologramas, parecidos
com janelas. Dava a impressão de que eles estavam procurando alguém ou alguma
coisa. E estavam! Ele estavam me procurando! Era o meu pai me procurando, ele
já sabia que o meu feixe de luz de vida estava vivendo dentro de um corpo de
cão, mas eu ainda não sabia que era o meu pai.
Na
terceira noite após estas visões, eu estava dormindo pesadamente, deitado na
rua sem me preocupar com o perigo, quando, de repente, um veículo terreno,
conduzido por um humano inconsequente, veio em alta velocidade e me atropelou.
Eu levei um grande choque, surgiu um imenso clarão diante de mim, e eu vi a
nave que, dias antes. havia visto em minhas visões.
Após
o abrupto impacto do veículo terreno sobre mim, eu era novamente apenas um
feixe de luz. Eu olhava atordoado para os tripulantes da nave enquanto eles caminhavam
em minha direção. Um deles era o meu pai, e eu o reconheci no mesmo instante em
que olhei para ele. Eu queria abraça-lo, mas como feixe de luz, eu não tinha
matéria física firme, o meu abraço atravessou o corpo dele de um lado para o
outro. Ele falou comigo, eu consegui ouvir sua voz. Ele me pediu para
acompanhar ele, e eu fui. Enquanto íamos para o interior da nave ele começou a
me explicar o que tinha acontecido comigo.
No
interno da nave havia um leito e o meu corpo estava lá, era incrível, parecia
adormecido, eu estava fora dele, mas sabia que era o meu corpo. Um ser ancião veio
em minha direção, e me pediu para chegar próximo ao meu corpo que estava no
leito. O ancião, com um aparelho nas mãos, aproximou-o de mim e me fez sentir
um grande choque, um impacto tão grande como o impacto que me tirou do corpo
daquele cão.
Após
alguns minutos, recobrei a consciência e percebi que já estava no meu corpo,
sim! Era eu! Inacreditável me ver novamente no meu corpo, mas eu ainda não
estava compreendendo nada. Meu pai veio em minha direção e nos abraçamos
demoradamente. Ele me falou do quanto sofreu naquele dia em que nossa nave
havia caído na Terra e se destroçado toda. Me falou de minha mãe e de minhas
duas irmãs, do quanto elas sofreram e da expectativa que elas tinham de me
ver novamente.
Meu
pai me explicou todo o processo do meu retorno, e o mistério do meu corpo estar
intacto. Eu não sabia, mas ele, cuidadosamente antes de partirmos para a nossa
missão, havia clonado nossos corpos materiais e os manteve conservados, com o
uso de tecnologia desenvolvida por cientistas de nosso planeta. Eu fui a
primeira experiência do projeto dos cientistas de Akau, e deu certo. Graças ao
meu corpo clonado, meu feixe de luz de vida teve a chance de voltar a viver a
vida de antes com o meu corpo no meu planeta e com a minha família.
No
entanto, devo esclarecer uma coisa – como meu pai me encontrou? Como ele sabia
que eu estava vivendo a vida de um cão? - Depois de minuciosos estudos e pesquisas,
viagens missionárias e rastreamentos na área do acidente e próximo a ela, ele
havia detectado o meu feixe de luz de vida a viver dentro de um cão. E mais
ainda, ele localizou o cão! Isso foi incrível.
Meu
pai é um ser de mente muito avançada, sua mente tem capacidade de avançar telepaticamente
longas distâncias. Ele se comunica com tripulantes de nossas naves com a
utilização do pensamento. Ele perdeu a conexão comigo porque a minha mente
estava em profunda perturbação logo depois do acidente com a nave, e depois,
passei a viver com a mente de um cão, daí se tornou impossível ele se comunicar
comigo.
Os
estudos do meu pai e de sua equipe fantástica, mostraram que só havia uma
maneira de eu voltar a ter a minha vida e retornar para o meu planeta,
precisava ter o meu corpo de volta, entrar dentro dele novamente, seria até
para os cientistas um trabalho muito sensível e arriscado.
Aquela
noite do resgate foi marcante em minha trajetória de vida e de missionário intergaláctico.
Ao recobrar meu equilíbrio e dialogar novamente com meu pai e toda a tripulação,
tive a certeza de que não irei parar com o meu trabalho junto ao meu pai,
faremos outras viagens por outros universos, galáxias e planetas. Serei como o
meu pai, um missionário incansável.
Sphayk
Um conto de ficção, escrito
por: Rozilda Euzebio Costa
08/01/2022