Lourival, nome fictício, apresenta um fato interessante vivido por um homem que hoje convive muito bem com os seus caracóis na bochecha, e os tem como um tesouro.
Diga-se de passagem que Lourival era um sujeito até de boa aparência, meia estatura, pele bem clara, cabelos ruivos, e uma esbelteza que lhe permitia sempre sair pelas ruas de “pano passado”, caminhando todo elegante e arrumadinho. Adorava vestir suas camisas com estampa em xadrez, e passar um gel fixador nos cabelos, lambendo-os para traz, salientando-lhe a testa. Mas o que Lourival tinha mesmo de sobra, era um olhar de menino pidão. Sabe aquele olhar que te deixa com vontade de colocar a pessoa no colo e cobrir de cafuné? Então, Lourival tinha esse olhar que fazia as garotas se enamorarem dele, mas isso antes daquele sinal enorme de nascença em sua bochecha esquerda começar a crescer pelos. Quando as garotas debruçavam seus olhos nos olhos dele era fatal... pimba! Já estava no papo. Ele estava sempre rodeado de garotas querendo mimá-lo e cuidar dele por causa daquele olhar caído e pidão, com jeito de rapaz carente.
Quando Lourival ainda era apenas um adolescente, não se notava nada de diferente nele, exceto que ele já tinha esse olhar que mendigava carinho. Aqueles olhos meio tortinhos e bem humildes, como dois sóis suaves, levemente se pondo no horizonte.
Conforme ele foi se tornando um adulto, foi ganhando as formas concretas de um homem maduro, algo misterioso começou a ser percebido por ele. Não lhe cresciam os pelos da barba e do bigode, o que ele muito esperava, já que todo homem tem barba e bigode. E isso era uma das coisas que ele mais queria que acontecesse, pois um de seus grandes sonhos era justamente poder fazer a barba como o seu pai fazia. Para ele, se tornar um homem era ter uma barba e um bigode para fazer e se apresentar para os amigos como um homem já formado.
Passaram-se dias, meses, anos, e nada de surgir pelos no seu rosto, exceto aquela, ainda pequena protuberância cheia de pelos em sua bochecha esquerda, coisa que lhe incomodava um pouco, mas as pessoas lhe diziam que ele não podia mexer nela porque era um sinal de nascença em seu rosto. – Mas como sinal de nascença! Logo no meu rosto! Vou ter que conviver com isso toda a minha vida?! – questionava-se encabulado.
Todas as vezes que Lourival ia para algum lugar com os amigos era sempre uma algazarra, porque aquela protuberância já cheia de pelos nunca passava despercebido. E mais, sempre que ia a alguma boate e dançava com as moças, tinha que fazer um imenso relatório para elas explicando sobre o seu “sinal de nascença”. Ele até que tentava dançar sem colar o rosto no rosto das garotas, mas as garotas se sentiam muito atraídas por ele por causa daquele seu olhar, e queriam mesmo mera colar nele, dançando bem agarradinho nele. Lourival colava seu lado direito no rosto das moças na hora da dança, mas elas acabavam virando o rosto para o lado esquerdo do seu, ai era fatal, a dança parava e a moça lhe perguntava com espanto e curiosidade do que se tratava aquilo que estava a fazer cócegas no seu rosto. Lá ia ele fazer um relatório sobre o seu sinal de nascença peludo do lado esquerdo do rosto, o qual ele não podia tirar...
O sinal de Lourival não era uma coisa pequenina que se podia disfarçar, até foi quando ele era ainda criança, mas depois que se tornou um adulto, aquele sinal havia ganhado o tamanho e o formato de um bigode. E cada dia que se passava ele crescia um pouco mais. Os pelos começaram a crescer e a ganhar maior espessura com o passar do tempo.
O olhar de Lourival que prendia as garotas era vencido na queda de braço pelo seu bigode na bochecha do lado esquerdo, pois as garotas logo que notavam aquele monte de pelos na bochecha dele com o formato de um bigode, logo caiam fora, deixando ele sozinho com o seu drama. É, porque até então aquele monte de pelo na sua bochecha estava a se tornar um drama enorme para ele, pois no restante da face não nascia mais nenhum pelo, nadinha mesmo, nem barba, nem o bigode sobre o lábio superior, seu rosto estava liso como bunda de bebê.
Já beirando os trinta anos de idade, o homem com o bigode na bochecha decidiu procurar um especialista. Queria saber porque não lhe cresciam barba ebigode normal como todo homem tinha. E também queria saber e entender porque só houvera crescido pelo naquele sinal bem no meio da bochecha, porque havia nascido aquele tanto de pelo!
O médico fez todos os exames possíveis em Lourival mas nada detectou, mesmo assim lhe receitou alguns medicamentos para ver se conseguia fazer nascerem o seus pelos da barba e do bigode. E quanto ao bigodinho da bochecha dele, o médico o aconselhou a raspar.
Lourival tomou todas as medicações recomendadas pelo médico, foram quase três meses seguindo regularmente as recomendações médicas, e nada! Ele não nascera como os outros homens, teria que se acostumar a ter o rosto quase lisinho. Poderia raspar a protuberância de pelos de sua bochecha esquerda como quem faz a barba regularmente, mas decidiu que não. Não iria tirar os únicos pelos do seu rosto.
Algum tempo se passou e Lourival ainda não havia encontrado o seu verdadeiro amor. Aquelas garotas da sua adolescência foram se afastando uma a uma. Ele foi adquirindo um trauma com elas por causa do seu bigode na bochecha. Ele nunca tinha a coragem de raspar o sinal de nascença de sua face. Os pelos do bigode extra na bochecha esquerda já haviam crescido o suficiente para fazer três pequenas ondas encaracoladas. Ficavam pendurados no seu rosto.
No dia que ele finalmente decidiu que iria raspar os pelos, um amigo lhe convidou para ir a uma concessionária de automóveis para fazer um test drive em um novo modelo de veículo que havia acabado de chegar. Ele então aceitou o convite e foi com o seu bigode encaracolado do lado esquerdo da face. Era já o meio da tarde. Os dois chegaram na concessionária e uma jovem bela e muito simpática veio atendê-los prontamente.
Enquanto o amigo fazia seu test drive, a jovem puxou uma longa conversa com Lourival, ela não tirava os olhos daquele homem com o bigode na bochecha. E melhor, ela parecia se simpatizar muito com aqueles caracóis na bochecha dele. Lourival já estava até ficando envergonhado. Ele muito tímido, e quando alguém encarava o seu bigode na lateral então, ele ficava ainda mais tímido e acanhado. E de tanto ela olhar, ele, aborrecido pensou consigo – vou tirar essa coisa que só me faz passar vergonha! – e foi ficando cada vez mais com as faces ruborizadas por causa do olhar insistente da garota em seu sinal de nascença.
Aquela jovem parecia estar destinada a Lourival, os dois eram almas gêmeas, nasceram um para o outro. Sabe quando dois olhares se encontram e se prendem num único pensamento? Pois é, os dois pares de olhos já estavam ligados desde o primeiro olhar. A jovem não resistiu e perguntou a ele se podia tocar nos pelos encaracolados e ruivos da sua bochecha. Ele só balançou a cabeça num consentimento mudo. Ela então tocou os caracóis do seu bigode extra, e num ímpeto, começou a enrolar a cachopa de cabelo no dedo, modelando num único caracol. Não deu outra, Lourival se apaixonou perdidamente pela jovem e ela por ele.
Seis meses depois, Lourival já estava casado e feliz com o seu sinal de nascença, e nem pensava mais em raspá-lo, pois adorava sentir os dedos de sua mulher modelando os caracóis do seu bigode da bochecha.
Certamente é natural que os homens tenham bigodes sobre o lábio superior, mas de vez em quando pode acontecer de algo não sair conforme o ritmo natural das coisas. A natureza é misteriosa, e vez ou outra faz algo diferente para impressionar.
O sinal de nascença de Lourival tinha mesmo o formato de um bigode, por isso as pessoas o estravam. No entanto, como a composição humana é cheia de mistérios também, tantas vezes acontecem coisas que vão muito além da compreensão do indivíduo. Em alguns casos, não há quem possa esclarecer com uma definição natural e aceitável alguma formação que a natureza compõe.
O “bigode na bochecha” de Lourival, hoje já está todo grisalho e imenso, tão grande que os caracóis já dão muitas voltas. Hora e outra se pode notar ele os enrolando no dedo apontador. Chega a chamar mesmo a atenção de quem está por perto.
Conviva bem com suas diferenças, pois todas as diferentes composições humanas possui o seu lugar no mundo, e nada é igual. A natureza define suas próprias características sem pedir consentimento a ninguém.
Rozilda Euzebio Costa
15.03.2019
Coletânea de Contos Contemporâneos 2019
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